Livro Bhagavad Gita – capítulo 7 – Conhecimento Iluminado
Em sua infinita Generosidade, Sri Krishna conta ao seu amado discípulo que ele lhe dará tudo o que tem e tudo o que é: Infinidade e Eternidade. Sri Krishna espera do discípulo apenas duas coisas em troca: Yoga e dependência. Podemos chamar essa dependência de entrega devotada, que é a unicidade indivisível do finito com o Infinito. Conhecer Sri Krishna é conhecer o Conhecimento Supremo. Realizar Sri Krishna é realizar a vida de tudo em essência.
Manushyanam sahasresu….
“Dentre milhares de homens, mal um se esforça pela perfeição espiritual, e dentre os que se esforçam e são bem sucedidos, mal um Me conhece em essência. (7.3)
Parece-nos que o terceiro verso joga água fria no buscador. Mas a intenção de Krishna não é nem um pouco parecida com isso. Krishna não apenas é todo Sabedoria, mas também todo Compaixão. Ele quer contar a Arjuna o que acontece de fato na maratona espiritual.
O Conhecimento supremo não é para aquele que possui curiosidade infantil, entusiasmo superficial, determinação fraca, devoção instável e entrega condicional. Qualquer uma dessas qualidades não divinas irá, sem falta, fazer o corredor interior fracassar.
O sexto e sétimo versos descrevem a relação que existe entre Sri Krishna e o universo. “Eu sou o princípio e o fim do universo. Sou a Fonte da criação e o local de dissolução. Além de Mim, nada existe. Tudo está entrelaçado em Mim, como pérolas num colar.” (7.6-7)
Quando nos concentramos em “Tudo está entrelaçado em Mim, como pérolas num colar,” imediatamente envisionamos o inigualável poeta Krishna.
São três as qualidades da natureza: sattva, rajas e tamas – harmonia, atividade e inatividade. Sri Krishna diz que essas três qualidades são Dele e estão Nele, mas Ele não está nelas.
Sattva é a principal das qualidades da natureza. Ela incorpora harmonia. Conheçamos a existência da harmonia em relação ao universo. Citemos Dryden:
Da harmonia, da harmonia Celestial
Esta Estrutura universal começou.
Da harmonia até a harmonia,
Por todo o compasso das notas, ela corre,
Com o diapasão soando pleno no Homem.
O possuidor da qualidade sáttvica tem certamente um coração de ouro. Ele sabe que sua vida possui uma significância própria. Seu alento é puro. Sua paciência, luminosa. Sua fortitude, inigualável. Sua certeza, infalível.
Rajas é a segunda qualidade. Um homem com a qualidade rájasica está sempre cheio de paixão dinâmica. Ele deseja possuir o mundo. Ele quer ser senhor do mundo. Ele praticamente não tem tempo para adentrar no mundo da iluminação interior. Sua vida acalenta apenas duas coisas: lutar e conquistar. Ele tem a possibilidade de se tornar um guerreiro divino ou ou guerreiro da completa falsidade. Ele possui a força para construir um templo da Verdade. Ele também tem a força para quebrá-lo e destrui-lo. Infelizmente, ele muitas vezes quebra e destrói o templo, por conta de sua visão sem luz e do elefante enlouquecido dentro de si.
Tamas é a terceira qualidade. É a preguiça, escuridão, ignorância, pecado e morte. Ela também é a desilusão mundana e a ilusão enganadora.
Sattva é a alma de visão clara.
Rajas é a vida frutífera ou infrutífera.
Tamas é a dança da morte.
Sattva se manifesta através da luz aspirante.
Rajas se manifesta através da força desejosa.
Tamas se manifesta através da noite escurecedora.
Um homem de virtude quer viver a verdade.
Um homem de ação deseja desfrutar do mundo.
Um homem de inatividade de nada desfruta. Pelo contrário, ele é desfrutado conscientemente pela escuridão, ignorância e morte.
Um homem de virtude possui uma amiga: a aspiração.
Um homem de atividade possui uma amiga: a inspiração.
Um homem de inatividade possui uma amiga: a ilusão.
Um homem de virtude tenta viver na verdade do presente, passado e futuro.
Um homem de ação quer viver no glorioso presente. Ele não dá muita atenção ao futuro.
Um homem de inatividade não vive no sentido direto da palavra. Ele dorme. Seus dias e noites são feitos de um sono sem luz.
O primeiro deseja se transcender devotadamente.
O segundo deseja se expandir forçosamente.
O terceiro se destrói inconscientemente.
Aqueles que trilham o caminho interior possuem quatro papéis distintos a realizar:
Arta, o deprimido, o aflito. A vida é uma cama de espinhos. Ele realizou essa verdade e clama pela transformação da vida. Ele deseja um leito de rosas. A dor é a sua dolorosa posse. Ele pode cantar com Francis Thomson:
Nada começa e nada termina
Que não seja pago com lamentos de dor;
Pois nascemos na dor dos outros
E perecemos nas nossas.
Jijñasu, o buscador, o investigador. O que ele busca é o conhecimento. O conhecimento nos diz porque um homem sofre, e mais. Já que o conhecimento incorpora poder, ele transforma o alento do sofrimento no alento do conhecimento vidente e instigador.
Artharthi, o buscador da riqueza verdadeira, a Verdade absoluta. Ele não possui tristeza. Ele não possui desejo terreno. Ele deseja viver na liberdade e libertação perpétua.
Jñani, o sábio. Aquele que é sábio conhece que o Supremo está em toda parte e que o Reino dos Céus está dentro de si. Ele vive no Supremo. Sua é a vida de unicidade com o Supremo. Seu é o mundo de verdadeira satisfação. Muitíssimo próxima é a intimidade entre ele e o Supremo.
Sri Krishna continua: “Nobres e bondosos todos eles são, mas eu considero o sábio, o iluminado, como minha alma escolhida e parte de Mim; somos completamente unos, absolutamente um. Quando a vida dele cumpriu o seu papel, quando a hora do silêncio bate à sua porta, Eu o coloco em Meu Coração, onde o Alento da Vida Eterna cresce.” (7.18-19)
O fim da hesitação! O fim do medo! O fim da confusão! O primeiro verso do sexto capítulo conta a Arjuna que o sannyasi e o yogi são um só. “Aquele que realiza seu dever sem expectativa do fruto da ação é, ao mesmo tempo, um sannyasi (sankhya-yogi) e um yogi (karma-yogi).” (6.1) Abstenção e dinamismo altruísta são iguais.
É desnecessário dizer que é a renúncia que une Sannyasa e Yoga. Essa renúncia é a renúncia do desejo e a renúncia da expectativa. A ação, ação correta, deve ser realizada. Ação não é limitação. Ação é aspiração. Ação é realização. O Gita exige a nossa liberdade da rígida limitação da ação, e não que deixemos de agir. A maligna limitação, que é nossa inimiga, está dentro de nós, e não fora. E o mesmo vale para a nossa amiga divina, a liberdade. Parece que estamos à mercê da nossa mente. Milton, em seu Paradise Lost, fala sobre a mente: “Ela (a mente) pode fazer do Céu um inferno, ou do inferno um Céu.” Mas um verdadeiro devoto pode facilmente transcender seu triste destino. Sua aspiração e rejeição o unem com a Vontade de Deus. Ele canta devotadamente:
Se ascendo ao Céu, Você está lá;
E lá também está Você, se faço meu leito no inferno.
Neste capítulo Sri Krishna utilizou as palavras ‘Yoga’ e ‘yogi’ pelo menos trinta vezes. Agora ele conta a Arjuna para quem o Yoga é destinado. “Arjuna, este Yoga não é para o epicuro, e nem para aquele que não come; não é para aquele que dorme demais, e nem para aquele que está constantemente acordado.”
Auto-indulgência e auto-mortificação são igualmente inadequadas. Para uma pessoa auto-indulgente, o Objetivo será sempre uma meta distante. Aquele que segue a filosofia de Charvaka[1] vive no mundo de indulgência, que nada é senão frustração. Essa frustração é a canção da destruição. O filósofo Charvaka declara:
A dor do inferno reside nos problemas que surgem com os inimigos, armas e doenças. Libertação (moksha) é a morte – a cessação do alento-vida.
Pelo contrário, a libertação é o alento-vida da alma humana. E esse alento-vida existia no nascimento da criação, está agora na criação e está também além da criação.
Já lidamos com a auto-indulgência. Agora foquemos nossa atenção na auto-mortificação. O Buda tentou auto-mortificação. E o que aconteceu? Ele descobriu a verdadeira verdade – que a auto-mortificação nunca poderia lhe trazer o que ele queria: a Iluminação. Assim, ele aceitou de bom grado o Caminho do Meio, a maneira dourada. Ele não aceitou a indulgência e nem a fome. Com essa sabedoria inigualável, o Buda alcançou a sua Meta.
A sinceridade reluzente de Arjuna fala por ele e também por nós. Yoga é equanimidade. Como pode a mente inquieta de um ser humano ser controlada? A mente é oscilante. Ela é rebelde como o vento. Krishna se identifica com o pobre nível de desenvolvimento de Arjuna. O consolo de Krishna é um outro nome para iluminação.
“Ó Arjuna, a mente é oscilante, certamente! Curvar a mente não é fácil. Mas a mente pode ser controlada por constante prática e renúncia.” (6.35)
O que deve ser praticado? A meditação. O que deve ser renunciado? A ignorância.
A firme convicção de Krishna, de que “Yoga pode ser alcançado através da prática”, (6.36) transforma nosso sonho dourado em Realidade tudo-preenchedora.
Prática é paciência. Não há atalho. “Paciência é a virtude dos asnos,” é o que ouvimos dos sabichões. O impaciente corcel ou o faminto tigre em nós imediatamente concordará com essa grande descoberta. Mas a reveladora paz e o preenchedor poder no aspirante o fazem sentir, de maneira clara e convincente, que a paciência é a luz da Verdade. A luz da Verdade é certamente a Meta.
Uma grande personalidade espiritual indiana, ao ser perguntada por seus discípulos sobre quantos anos de prática esforçada trouxeram a ela a Realização plena, simplesmente caiu na risada.
“Pratiquem! Minhas crianças, aquilo a que vocês chamam de prática nada é senão seu esforço pessoal. Quando eu estava no mesmo estágio que vocês, não realizada, eu pensava e sentia que meu esforço pessoal era noventa e nove por cento, e que a graça de Deus era um por cento, e não mais. Mas minha completa estupidez morreu no momento em que a auto-realização nasceu. Então, para minha surpresa, eu senti, vi e realizei que a Graça do meu misericordioso Senhor era noventa e nove porcento, e que o meu débil esforço pessoal era um por cento. Mas a minha história não termina aqui. Por fim, eu percebi que aquele meu um por cento também era o incondicional e devotado cuidado do meu Pai Supremo por mim. Minhas crianças, vocês sentem que a realização-Deus é uma corrida que exige muito esforço. Isso não é verdade. A realização-Deus é sempre uma Graça que vem das alturas.”
Do que realmente precisamos é paciência. Quando a impaciência nos ataca, nós podemos, no entanto, cantar com o poeta: “Você está tão longe – mas tateamos para alcançá-Lo.” Mas quando nossa consciência fica carregada de paciência, podemos cantar no mesmo fôlego com o mesmo poeta: “Você está tão próximo – mas não conseguimos agarrá-Lo.“
Não é incomum que vejamos mesmo um buscador muito honesto fracassar no caminho espiritual. Apesar do fato de que ele tinha fé e devoção em ampla medida, ele falha em completar sua jornada. Essa pergunta assombra o coração de Arjuna. Ele diz a Krishna: “Apesar de dotado de fé, um homem que fracassa em subjugar sua paixão, cuja mente se distancia do Yoga (no momento da morte) e que falha em atingir a perfeição, isso é, a realização-Deus, qual destino será o dele? Ele não se depara com a destruição, como uma nuvem partida? Ele fica sem ambos, realização-Deus e prazer-mundo. Seu destino o enganou no caminho do Yoga. Ele não tem lugar algum para ir. Ele não tem nada onde se sustentar.” (6.37-38)
Ora, o mundo interior não o aceita. O mundo exterior o rejeita e o condena. Ele está perdido, completamente perdido. Se é bem sucedido, ambos os mundos o abraçam e o adoram. Se fracassa, ele se torna objeto de impiedoso ridículo.
Antes de Sri Krishna iluminar a mente de Arjuna, chamemos Einstein. O imortal cientista declara:
“Se a minha teoria da relatividade for provada, a Alemanha irá me considerar um alemão, e a França declarará que eu sou um cidadão do mundo. Se minha teoria cair, a França dirá que eu sou alemão, e a Alemanha declarará que eu sou judeu.”
Retornando ao Professor e o aluno. O Professor ilumina a mente de seu aluno com os raios da consolação, esperança, inspiração e aspiração: “Ó Arjuna, não há fracasso para ele neste mundo ou no mundo além. O fatal destino maligno não é para aquele que faz o bem e se esforça pela auto-realização.” (6.40)
O Professor também diz que aquele que cai do caminho do Yoga nesta vida entra em um lar abençoado e santificado em sua próxima vida para continuar sua jornada espiritual.
Cada encarnação humana é tão somente um curto período, e nunca poderá determinar o fim da jornada eterna da alma. Ninguém consegue atingir a perfeição em uma vida. Todos devem passar por centenas ou milhares de encarnações até que alcancem a Perfeição Espiritual.
Um devoto sempre permanece no alento de seu doce Senhor. Para ele, não há queda verdadeira, não há destruição, não há morte. De que forma ele aparentemente fracassou, ou porque ele falhou, é apenas a história superficial. A história verdadeira será encontrada em sua sempre-alegre persistência, em sua vitória derradeira sobre a ignorância, em sua unicidade absoluta com o Supremo. Lembremos o significativo discurso de Jesus:
“Marta, eu sou a ressurreição e a vida; aquele que acredita em mim, apesar de morrer, viverá, e quem vive e acredita em mim nunca morrerá. Você acredita nisso?” Marta disse a Jesus: “Sim, Senhor, eu acredito.” (João 11:25-27)
Similarmente, junto com Arjuna, em toda sinceridade e devoção, podemos dizer ao Senhor Krishna: “Ó Krishna, eterno Piloto de nosso barco-vida, acreditamos em você. E vamos além. Krishna, você é a nossa eterna jornada. Você é a nossa Meta Transcendental.” (cf. 10.12)
[1] Charvaka foi um antigo filósofo indiano, cujas visões são conhecidas apenas pelas polêmicas e rejeições das outras escolas (em particular budistas e jainistas). Seu sistema, o Lokayata, era o único sistema materialista na Índia em toda a sua longa história e nunca alcançou qualquer importância especial. Seus seguidores são muitas vezes caracterizados como “aqueles que acreditam que o corpo seja o Eu (dehatmavadina).”
Comparação era o prato do dia. E ainda é. Talvez sempre seja, especialmente no campo da manifestação. Renúncia e ação altruísta agora são comparadas. Tal foi o pedido de Arjuna.
“Você valoriza ambas, Ó Krishna, renúncia e ação. Diga-me, decisivamente e de uma vez por todas, qual delas é a melhor.” (5.1)
A resposta imediata de Sri Krishna é: “Ambas levam à Bem-aventurança suprema, mas a ação é mais fácil, a ação é superior.” (5.2)
O divino Professor torna claro, no entanto, que a renúncia não pode ser alcançada num piscar de olhos. E alcançar o fruto da renúncia sem ação altruísta é quase impossível.
Yoga é ação liberta da separatividade. A percepção da separação é a morte da renúncia. Ação realizada com um sentimento de unicidade universal é o nascimento glorioso da renúncia.
Duas escolas. Uma escola ensina a renúncia de toda ação. A outra escola ensina o agir, a ação correta. Uma escola diz: “Pare de fazer qualquer coisa.” A outra escola diz: “Comece a fazer todas as coisas.” Ora! Uma vez que a mensagem do Gita não foi inteiramente compreendida na Índia, esse país possui muitos ascetas áridos e homens de ação não-iluminados.
A partir da ação, a ação surge. A ação em si não pode extinguir a ação. A ação é contínua. A ação é perpétua. Não importa o quão duramente trabalhemos, o quão longamente trabalhemos, a mera ação nunca poderá nos mostrar a Face do Supremo. O verdadeiro karma yogi é aquele que trabalha para o Supremo e para o Supremo apenas. De fato, o karma yogi é também o maior renunciante, pois ele nada busca, nada rejeita. Gostar e desgostar para ele possuem igual importância. A seu alto comando estão todos os pares de opostos. Eles existem para afirmá-lo, satisfazê-lo, coroá-lo com vitória interior e exterior.
Os ensinamentos de Krishna almejam uma Meta, a Bem-aventurança suprema. Temperamentos humanos estão fadados a diferir. Seres humanos possuem variadas tendências e inclinações. Tal sendo o caso, é difícil para Arjuna aferir o mais imediato e direto caminho.
Ação e renúncia são idênticas. A ação é a árvore. A renúncia é o fruto. Não é possível que um seja maior do que o outro. A árvore e o fruto crescem no regaço da Infinidade, para serem amados pela Eternidade e abraçados pela Imortalidade.
A liberdade existe? Caso exista, onde está? A liberdade existe. Ela vive na nossa entrega consciente à Vontade do Divino. Nossa entrega sem reservas é a nossa unicidade infalível com o Supremo. Já que o Supremo é a Liberdade infinita, nós, em essência, não podemos ser diferentes.
Foi Marlowe quem disse:
Não está sob nosso poder amar ou odiar,
Pois, em nós, a vontade é sobrepujada pelo destino.
Isso é verdade apenas quando o nosso destino é determinado pelos ditados extremamente limitados do ego. Nosso destino assim deplorável passa por uma transformação radical – total limitação é transformada em ilimitada liberdade – quando nós, com nossa sempre-ascendente chama-aspiração, vivemos na ilimitada e todo-poderosa vontade da alma. O que possuímos dentro e o que enxergamos fora é a consciência da liberdade que evolui, expande e irradia. Não importa que tipo de liberdade ela nos traz, física ou espiritual, pois essa liberdade não é apenas para transcender a limitação ou mesmo substituir a limitação, mas sim transformar o próprio alento da limitação na Imortalidade da liberdade. E isso é liberdade, sem aspas, como uma figura mundialmente famosa comentou.
O serviço pode fazer muitas coisas por nós. Primeiro de tudo, devemos saber que o serviço realizado em um espírito divino é a maior oportunidade que temos em nossas mãos para aniquilar nosso orgulho e vaidade e apagar a marca do ego. É no serviço dedicado que vemos a harmonia universal, onde nos tornamos a consciência universal.
Nossa vontade se torna a Vontade de Deus. Aquilo que chamamos de serviço nada é, senão a satisfação da Vontade Divina. Aqui na terra, um possui a capacidade, e outro possui a necessidade. A capacidade e a necessidade devem seguir juntos. Quando a capacidade é oferecida, não apenas a necessidade é satisfeita, mas também a capacidade é reconhecida e valorizada. A capacidade, por si só, recebe apenas satisfação parcial. Mas, quando a capacidade e a necessidade correm juntas, a plena satisfação floresce.
“De cada um de acordo com suas habilidades, e para cada um de acordo com suas necessidades.” No nosso dia-a-dia, essa verdade é muito aplicável.
Deus tem de ocupar a mente. E, nesse estado de divina concentração, deve-se servir a humanidade. Nesse exato momento, o serviço em si se torna a maior recompensa. Apesar de a meditação e o serviço constituirem abordagens completamente diferentes no campo da espiritualidade, o trabalho e o serviço dedicado nada são, senão pura meditação.
Krishna agora nos conta sobre prazer e dor. “O prazer dos sentidos acaba em dor. Por isso, o prazer dos sentidos é evitado pelo sábio. Constante auto-controle é a verdadeira e perpétua felicidade.” (5.22-23)
Com auto-controle continuado, a auto-mestria desperta. A existência mundo e a atividade-mundo estão sob o comando da auto-mestria. A maneira mais fácil de obter auto-controle é escolher o caminho da auto-consagração. A auto-consagração é sempre abençoada pela iluminação da alma. As turbulentas forças dos nossos sentidos devem se curvar à iluminação da alma. Aquele que possui iluminação interior sabe que sua existência na terra é a incorporação de Deus e que suas ações são expressões de Deus. Ele sente que nunca é o agente. Ele é apenas um instrumento.
Agora aprendemos com o Gita o que é o corpo. “O corpo é uma cidade dentro de nove portões.” (5.13)
Citando Wesley La Violette, em “An Immortal Song” (O Bhagavad Gita):
O corpo é uma cidade com muitos portões,
onde a mente soberana pode descansar em paz.
Dentro dessa cidade está o sagrado Templo do Espírito,
Mente, onde não há desejo
por ação, nem causa motivadora,
mas ainda assim sempre com a alegria e diposição
para cumprir o Dever, quando ele chama. (5.13-14)
É verdade que o corpo possui um templo sagrado. Igualmente verdade é que o próprio corpo é sagrado. A poderosa asserção de Whitman deve ser recebida com gratidão: “Se alguma coisa é sagrada, então o corpo humano é sagrado.”
Hoje, o corpo é um obstáculo insuperável. Amanhã, esse mesmo corpo poderá ser e será o orgulho da Divindade, pois em e através do corpo Deus mostra ao mundo com o que Ele se parece, o que Ele faz e o que Ele é.
Ao final deste capítulo, Sri Krishna diz firmemente que a sensualidade deve ser evitada completamente, para que o homem viva e possua a Divindade totalmente. As paixões-tigre devem ser superadas. O aspirante tem de concentrar-se constantemente em seu Libertador. Certamente, apenas para ele é a Meta, a salvação inigualável.
Livro Bhagavad Gita – capítulo 4 – Conhecimento, Ação e Sacrifício
No segundo e terceiro capítulos do Gita, Sri Krishna abençoou Arjuna com alguns vislumbres de luz yogi. No presente capítulo, ele abençoa Arjuna com uma enchente de luz espiritual. Ele ampla e abertamente revela os segredos do Yoga. Difícil tornou-se para Arjuna acreditar que Sri Krishna ensinou a Vivaswam (o deus-sol) esse Yoga eterno. Vivaswam ofereceu-o ao seu filho Manu, e Manu o transferiu aos seu filho Ikshwaku; e dele foi passado para os Rishis reais. Muito antes do nascimento de Krishna, Vivaswam viu a luz do dia. Naturalmente, a declaração de Sri Krishna lançaria Arjuna num mar de confusão.
O eterno mistério da reencarnação está agora sendo revelado. Krishna diz: “Arjuna, você e eu passamos por incontáveis nascimentos. Eu os conheço todos, mas a sua memória lhe falha. Apesar de eu não ter nascimento ou morte e ser o Supremo Senhor de todas as coisas, eu Me manifesto no universo físico através da Minha própria Maya, mantendo Minha Prakriti (Natureza) sob controle.” (4.5-6)
Maya significa ilusão. Ela também significa a irrealidade das coisas efêmeras. A irrealidade é personificada como uma fêmea, que também se chama Maya. As palavras Dharma e Maya são a expressão constante e espontânea da alma indiana. De acordo com Shankara, o Vedantista dos cumes himalaios, há apenas uma Realidade Absoluta, o Brahman incomparável. Advaita, ou Monismo, derivado do Vedanta, é a sua significante filosofia. Apenas Brahman existe. Nada fora de Brahman existe. O mundo, como se coloca diante do nosso olho mental, é uma ilusão cósmica, uma prisão enganosa. Apenas quando o verdadeiro conhecimento desperta em nós é que estaremos em condição de nos livrarmos das redes da ignorância e das armadilhas do nascimento e morte.
Uma coisa que existe é real. Uma coisa que parece é irreal. Uma Vida eterna é real. Ignorância e morte são irreais. Maya é um tipo de poder cheio de mistério. Sabemos que eletricidade é um poder, mas não sabemos de fato o que a eletricidade é. A mesma verdade se aplica a Maya. Deus utiliza o Seu Poder-Maya para adentrar o campo da manifestação. É o processo do Uno tornar-Se muitos, e depois o Retorno dos muitos ao Uno original.
Prakriti quer dizer ‘natureza’. É a causa material, assim como a causa original de toda coisa na criação manifesta. Purusha é a Face silente. Prakriti é o sorriso ativador. Purusha é a consciência pura, testemunha, enquanto Prakriti é a consciência em evolução e transformação. Em e através de Prakriti acontece a satisfação do Jogo Cósmico.
Arjuna conhecia Sri Krishna como seu primo querido. Mais tarde, o conheceu como seu amigo do peito. Ainda mais tarde, ele o conheceu como seu amado Guru, ou Professor espiritual. Neste capítulo ele vem a conhecer Sri Krishna como o Supremo Senhor do mundo. Krishna diz: “Sempre que a imoralidade cresce e a retidão declina, eu Me incorporo. Para proteger e preservar os virtuosos e colocar um fim aos maléficos, para estabelecer o Dharma, eu Me manifesto de era em era.” A partir desse entoar alma-comovente descobrimos imediatamente que Ele é ambos o Conhecimento derradeiro e o Poder supremo. Com confiança e sorriso, ele recarrega Arjuna com uma corrente espiritual de alta-voltagem de sua grande Usina.
Samvavami Yuge Yuge (4.8)
Eu Me incorporo de era em era.
Sri Krishna agora se declara um Avatar. Um Avatar é o descendente direto de Deus. No mundo da manifestação, ele incorpora o Infinito.
Na Índia, há um mestre espiritual que se declarou ser um Avatar. Infelizmente, ele se tornou objeto de impiedoso ridículo, tanto no ocidente quanto no oriente. E, já que não conseguia lutar bravamente contra o pujante sarcasmo, ele por fim teve de mudar sua política malsucedida. Seu orgulhoso dito deu um passo adiante: “Não apenas eu, mas todas as pessoas são Avatares.” Já que todos são Avatares, quem irá criticar quem? Ah, por fim o auto-entitulado Avatar pôde dar um suspiro de alívio.
Pode parecer ridículo, mas é fato que, na Índia, praticamente todo discípulo diz que seu Guru é um Avatar, um descendente direto de Deus. Uma enxurrada de entusiasmo os varre quando falam sobre seus Gurus. O gigante espiritual Swami Vivekananda não pôde se conter e disse que em Bengala Ocidental, na Índia, os Avatares crescem como cogumelos na floresta. Por outro lado, dizer que só existiu um Avatar, o Filho de Deus, é igualmente ridículo.
A cada vez que um Avatar vem, ele cumpre um papel diferente na marcha da evolução, de acordo com a necessidade da era. Em essência, um Avatar não é diferente de outro. Um Avatar genuíno, Sri Ramakrishna, revelou a verdade: “Aquele que era Rama, aquele que era Krishna, agora está na forma de Ramakrishna.”[1]
Há dois opostos eternos: o bem e o mal. De acordo com Sri Krishna, quando a maldade alcança o seu zênite, Deus precisa envergar a veste humana, na forma de um Avatar. A vinda de Sri Krishna teve de lidar com a mais negra força maligna, Kamsa. Similarmente, Herodes, o tirano sem par, requeriu a vinda de Jesus Cristo. O nascimento do Cristo exigiu a extinção da vida de ignorância. Janmashtami, o nascimento de Krishna, é celebrado por toda a Índia, objetivando lembrar a saída do mar de ignorância e a entrada no Oceano de Conhecimento.
A maneira mais fácil e efetiva de conceber a idéia de um Deus pessoal é entrar em contato com um Avatar e permanecer sob sua orientação. Ter um Avatar como Guru é encontrar um porto seguro no barco da vida. Em conexão, podemos citar o corajoso dito de Vivekananda: “Homem algum pode ver Deus senão através dessas manifestações humanas. Fale o que quiser, tente o quanto quiser, você não consegue pensar em Deus senão como um homem.”[2]
De acordo com muitos, assim como o Buda é o homem mais perfeito, Krishna é o maior Avatar que o mundo já viu.
Há também os Anshavatars (Avatares parciais). Mas Sri Krishna é um Purnavatar (Avatar pleno), em e através do qual o Supremo está manifestado de forma completa, ilimitada e integral. Quando a aspiração humana se eleva, a Compaixão divina baixa na forma de um Avatar.
“Eu aceito os homens da forma como eles me procuram.” (4.11) Não pode haver alívio maior do que esse para o coração que sangra da humanidade. Se aceitamos Krishna com fé, Ele ilumina nossa mente de dúvidas. Se aceitamos Krishna com amor, Ele purifa nosso vital atormentador. Se aceitamos Krishna com devoção, ele transforma a noite ignorância da nossa vida no sol-conhecimento da Sua eterna Vida.
Sri Krishna agora quer nossa mente fixa nas castas. Ele diz que ele mesmo criou a ordem quádrupla do sistema de castas, de acordo com aptidões e ações de cada uma. Há pessoas que dão toda a importância ao nascimento e hereditariedade, e deliberadamente ignoram aqueles que são abundantemente abençoados com capacidades e realizações. O resultado é que a sociedade tem de sofrer com as bordoadas impiedosas da confusão total. É verdade que nascimento e hereditariedade possuem peso, especialmente no coração da sociedade. Mas essa dita importância não pode nos oferecer nem uma gota de luz e verdade. É por virtude da ação, nobre e serena, que podemos nos tornar o Altíssimo e manifestarmos o mais Profundo aqui na terra.
Do verso 16 ao verso 22, vemos Krishna despejando luz sobre ação, inação e ação incorreta. Ação – e, diga-se, ação verdadeira – não é apenas mover o corpo. Ação é auto-doação. Ação é abandonar o apego. Ação é trazer os sentidos sob controle. Ação incorreta é dançar com o desejo. Ação incorreta é desobedecer o eu interior. Ação incorreta é desviar-se do caminho da Verdade exotérica e esotérica.
Comumente acredita-se que inação é igual a inércia, preguiça e etc. Mas a inação verdadeira é lançar-se em atividades incessantes, todavia mantendo a mente consciente em um estado de sublime tranquilidade ou transe.
Fé e dúvida encerram o quarto capítulo. A fé não é o mero sentimento emocional de ser fiel à sua crença. É um alento interior vivente, ansiando por descobrir, realizar e viver na Verdade. A fé é o exercício da vontade do buscador em forçar-se a permanecer na tudo-vidente e tudo-preenchedora Vontade de Deus. O Yajur Veda nos conta que a consagração floresce na auto-dedicação, que a graça floresce na consagração, que a fé floresce na graça, e que a verdade floresce na fé. O que mais é a fé? Cito Charles Hanson Towne:
Eu não preciso fazer a minha fé falar alto.
Triplamente eloquentes
São as árvores silenciosas e a verde relva que escuta;
Mudificadas as estrelas, cujo poder é inexaurível;
As colinas estão silentes; e, ainda assim, como falam de Deus!
Dúvida é nua estupidez. Dúvida é absoluta futilidade. Dúvida é externa conflagração. Dúvida é interior destruição.
Sanmshayatma Vinashyati – “O possuidor da dúvida perece.” (4.40) Ele está perdido, completamente perdido. A ele é negado o caminho do Espírito. Também lhe é negado o segredo da iluminação da vida. Krishna diz: “Para o homem que duvida, não lhe pertencem nem este mundo e nem o próximo, e também não a felicidade.” O Novo Testamento nos presenteia com a mesma verdade: “O homem de mente duvidosa não desfruta deste mundo e nem do outro, e também não da beatitude final.” (4.40)
Em Nyaya (lógica), um dos seis sistemas de filosofia indiana, percebemos que a dúvida nada é senão um julgamento conflitante acerca do caráter de um objeto. A dúvida passa a existir do fato de ela reconhecer propriedades comuns a diversos objetos, ou propriedades incomuns a quaisquer objetos. A dúvida é justamente a falta de regularidade na percepção. E, também, sendo não-existente, ela apenas existe com a não-percepção.
A dúvida é um tigre tudo-devorador. A fé é um leão que ruge, inspirando o aspirante a se tornar o tudo-iluminador e tudo-preenchedor Supremo.
A pobre e cega dúvida, esquecida da verdadeira verdade, de que a fé é a mais forte e convincente afirmação da vida, tenta dar uma sacudida violenta no barco-vida do homem.
As encantadoras palavras do poeta incitam nossos corações em suas maiores profundezas:
Melhor um dia de fé
Do que mil anos de dúvida!
Melhor uma hora mortal Contigo
Do que uma vida interminávem sem Ti.
[1] * Swami Nikhilananda, Vivekandanda: Uma Biografia, Calcutta, 1987, p. 67.
[2] * Swami Vivekananda, The Yogas and Other Words, Swami Nikhilananda, ed. New York, 1953, p. 420.
Através da nossa idenficação com o coração de Arjuna, somos capazes de sentir, no início do terceiro capítulo, que estamos lançados no mar de impiedosa confusão e imensa dúvida. Arjuna quer alívio imediato da tensão mental; ele quer ouvir uma verdade decisiva. Sua impaciência o previne de enxergar a Verdade completa em todos os seus aspectos. No capítulo anterior, seu divino Professor, Sri Krishna, expressou profunda apreciação pelo caminho do conhecimento, mas, ao mesmo tempo, explicou a Arjuna a grande necessidade da ação. O Professor, obviamente, não tinha a menor intenção de lançar o aluno num mar de confusão. Longe disso. O que Arjuna precisava era de uma visão mais ampla da verdade e um significado mais profundo da Realidade. Quando enxergamos através dos olhos de Arjuna, vemos que este é um mundo de idéias conflitantes. Mas quando vemos através dos olhos de Sri Krishna, vemos um mundo de facetas complementares da Verdade tudo-sustentadora e tudo-permeante.
Conhecimento e ação, acreditava Arjuna, levariam-no à mesma meta. Por que, então, ele está amaldiçoado a (ou é esperado dele) passar pela carnificina da guerra, incitado pela ação?
É verdade que o céu mental de Arjuna estava coberto com densas nuvens, mas seu céu psíquico ansiava por verdadeira iluminação. Sua poderosa pergunta era: “Se você considera o conhecimento como superior à ação, por que me instiga a uma ação tão horrenda?” (3.1)
Sri Krishna agora diz: “Dois caminhos, Arjuna, existem. Eu já lhe disse isso. O caminho do conhecimento e o caminho da ação. Através da arte divina da contemplação, o aspirante trilha o caminho do conhecimento. Através do anseio dinâmico do serviço altruísta, o buscador trilha o caminho da ação.” (3.3)
O conhecimento sente que o mundo interior é o mundo real. A ação sente que o mundo exterior é o mundo real. O caminho do conhecimento entra no interior a partir do exterior, ao passo que o caminho da ação entra no exterior a partir do interior. Essa é a diferença. Mas tal aparente dualidade nunca poderá ser a verdade completa, a Verdade última. Há um provérbio árabe que diz:
Há quatro tipos de homens:
Aquele que não sabe, e não sabe que não sabe:
ele é um tolo – evite-o;
Aquele que não sabe, mas sabe que não sabe:
ele é simples – ensine-o;
Aquele que sabe, mas não sabe que sabe:
ele dorme – acorde-o;
Aquele que sabe, e sabe que sabe:
ele é sábio – siga-o.
Arjuna também teve de passar por esses quatro estágios de evolução. Ao fim do primeiro capítulo, ele declarou: “Ó Krishna, eu não lutarei.” (2.9) Ele não sabia qual era a Verdade, mas estava ignorante desse fato de ele não a conhecer. Krishna, sendo todo Compaixão, não poderia ignorar seu querido Arjuna.
“Eu peço-te; diga o que é melhor para mim.” (2.7) Aqui, a simples sinceridade de Arjuna toca as profundezas do coração de Sri Krishna, e o Professor começa a instruir o aspirante.
Arjuna soube por toda a sua vida que o heroísmo é o próprio alento de um kshatriya como ele, mas sua mente temporariamente eclipsou seu conhecimento interior. Ele estava no mundo do sono ilusório. Portanto, Sri Krishna teve de o acordar, dizendo: “Arjuna, lute! Na vitória, você terá a soberania sobre a terra; na morte, amplamente abertos estarão os portões do Paraíso.” (2.37)
Por fim, Arjuna percebeu que Sri Krishna não apenas conhecia a Verdade, mas também era a Verdade. Ele queria seguir Sri Krishna. Ele clamou: “Saranagata – Tu és o meu refúgio. Estou às Tuas Ordens.”
Aquele que segue o Caminho da Ação é, por natureza, simples, diz Krishna. Ele é simples, e sua ação é direta. O resultado é imediato. Arjuna, no entanto, quer libertação da ação, que é algo simplesmente impossível. A ação não é feita apenas pelo corpo, mas também no corpo, através da mente. A ação inclusive cumpre seu papel nos níveis conscientes e sub-conscientes do ser. A ação não pode morrer. Ela nunca pode sonhar com uma fuga enquanto os impulsos da natureza estiverem vivos. A ação nos amarra apenas quando amarramos as ações com nossas predileções e preferências. A árvore-ação cresce dentro de nós, seja com frutos venenosos ou frutos ambrosiais. De acordo com Shankara, é possível duvidar da existência de Deus, mas é impossível duvidar da própria existência. Um ser humano, se ele abriga bom senso, acredita em sua existência atual. Se ele quiser dar um passo adiante, precisará aceitar a existência inevitável do destino. E o que é o destino? O destino é a experiência em evolução de uma consciência. Essa experiência não é obscura e nem incerta. É a inevitabilidade necessária de uma lei cósmica, esforçando-se pela manifestação exterior em perfeita Perfeição.
Ação e reação são o verso e anverso da mesma moeda. Por vezes, eles aparentam ser dois temíveis inimigos. Não obstante, sua igual capacidade é inegável. O Filho de Deus fez a elevada declaração: “Aqueles que vivem pela espada morrerão pela espada.” (Mateus 26:52)
A ação por si mesma não possui um poder limitante – e nem ela precisa disso. É o desejo na ação aquilo que tem o poder para nos limitar e nos dizer que a liberdade não é para os mortais. Mas se dentro da ação o sacrifício estiver vastamente presente, ou se a ação for realizada num espírito de sacrifício, ou se a ação é considerada como um outro nome para o sacrifício, então ação é perfeição, ação é iluminação, ação é libertação.
Para aquele que está encarnado, a ação é uma necessidade; é preciso agir. O homem é o resultado de um sacrifício divino. É o sacrifício aquilo que pode envisionar a verdade e satisfazer a existência do homem. É apenas no sacrifício onde podemos ver a conexão e o elo preenchedor entre dois indivíduos. Sem dúvidas, o mundo está progredindo e evoluindo. Ainda assim, no mundo ocidental, o sacrifício é muitas vezes visto como um sinônimo de tolice e ignorância. Cito William Q. Judge, um dos primeiros Teósofos:
“Apesar de Moisés ter estabelecido sacrifícios para os judeus, os sucessores cristãos aboliram-nos em letra e espírito, com uma curiosa inconsistência que os permite ignorar as palavras de Jesus de que ‘nem um til ou ponto da lei passarão até que todas essas coisas aconteçam’.”
Certamente, o oriente atual não é exceção.
O que é sacrifício? É a descoberta de unicidade universal. No Rig-Veda observamos o sacrifício supremo feito pelo sábio Brishaspati:
Devebyah kam avrinit mrtyam… (Rigveda X.13.4)
Por amor aos deuses ele escolheu a Morte, e não a Imortalidade, por amor aos mortais.
O sacrifício é o segredo do serviço abnegado. Foi o medo ou algum outro motivo duvidoso que compeliu as mentes primitivas a abraçarem o sacrifício. Eles pensavam que os olhos dos deuses cósmicos lançariam chamas se não sacrificassem animais em oferenda. Ao menos eles foram inteligentes o suficiente para não sacrificarem crianças, seus entes queridos. O Supremo queria e irá sempre querer sacrifício, tanto da parte dos seres humanos, quanto dos deuses, para seu benefício mútuo. É o sacrifício recíproco o que faz das duas partes uma só, indivisíveis. O homem oferecerá a sua aspiração; os deuses oferecerão a sua iluminação. Um homem de satisfação verdadeira é um homem de oferecimentos consagrados. O pecado não consegue ficar próximo dele. À existência da humanidade como um todo deve ser dirigida a primeira atenção; a existência individual deve vir depois. O trabalho realizado num espírito de puríssimo oferecimento conduz um aspirante até a morada de perfeito deleite.
As posses não trazem satisfação enquanto o ego vive em nós. O grande rei Janaka sabia disso. Não é de se estranhar que o sábio Yagnyavalka o amava mais. Seus discípulos brâmanes pensavam que Janaka era o preferido apenas porque ele era rei. É óbvio que Deus não permitiria que o sábio Yagnyavalka sofresse esse tipo de críticas baixas. O que aconteceu, então? Mithila, a capital do rei Janaka, começou a arder em chamas crescentes e devoradoras. Os discípulos saíram, deixando o seu preceptor, correndo em direção a suas cabanas. E para quê? Apenas para salvar suas tangas. Todos fugiram, exceto Janaka. Ele ignorou suas riquezas e tesouros queimando na cidade. Janaka ficou junto de seu Guru, Yagnyavalka, ouvindo o discurso abrosial do sábio.
Nada eu perco, mesmo que Mithila seja queimada até o chão.
Agora os discípulos descobriram porque seu Guru favorecia Janaka sobre os demais. Tal é a diferença entre um homem de sabedoria e um homem de ignorância. Um homem de ignorância sabe que o que ele tem é o corpo. Um homem de sabedoria sabe que o que ele tem e o que ele é é a alma. Portanto, para ele as necessidades da alma são de importância primordial.
Sri Krishna revelou a Arjuna o segredo da conquista da auto-realização e salvação de Janaka. Janaka agia com desapego. Ele agia pelo bem da humanidade, tendo sido preenchido com a luz e sabedoria da divindade. É certo que tal é o caminho dos nobres. Krishna queria que Arjuna trilhasse esse caminho, para que o mundo o seguisse. Mas talvez Arjuna não estivesse completamente convencido. Para convencer Arjuna completamente e sem reservas, Krishna deu o Seu próprio exemplo: “Nada tenho de fazer nos três mundos, nem existe algo que valha a pena conquistar que eu ainda não tenha conquistado; ainda assim, eu trabalho perpetuamente, sempre colocando minha existência em ação. Se eu não agir, os mundos perecerão.” (3.22-24)
Sri Krishna queria que Arjuna fosse liberto das amarras da ignorância. A única maneira de Arjuna conseguir isso era agindo sem apego. Sri Krishna contou a Arjuna o segredo supremo: “Dedique todas as ações a Mim, com sua mente fixada em Mim, o Ser em tudo….” (3.30)
Todos os seres devem seguir suas naturezas. Não há fuga, nem poderá haver. O que a repressão pode fazer? O dever do homem é a bênção inigualável do Céu. É necessário conhecer o seu dever. E, uma vez conhecido, o dever deve ser realizado até o fim.
Eu dormi e sonhei que a vida era Beleza;
Acordei e descobri que a vida era Dever.
– Ellen S. Hooper, “Duty”
O dever da vida – executado com um fluxo espontâneo de altruísmo com relação à humanidade e sob a condução expressa do ser interior – é a única coisa que transformará a vida em beleza, a beleza Celestial do mundo interior e a beleza terrena do mundo exterior.
O dever de Arjuna era lutar, pois ele era um Kshatriya, um guerreiro. Essa luta não era por poder, mas pelo estabelecimento da verdade acima da falsidade. As palavras muitíssimo encorajadoras e inspiradoras de Sri Krishna acerca do dever individual exigem toda a nossa admiração. “É melhor sempre o próprio dever, ainda que muito humilde, do que o dever de outro, por mais tentador que seja. Mesmo a morte lhe trará beatitude na realização do seu dever; mas fadado à perdição estará aquele que realizar o dever incumbido a outro.” (3.35)
Arjuna tem agora mais uma pergunta, uma pergunta bastante pertinente, e essa é a sua última pergunta neste capítulo. “Impelido pelo que, Ó Krishna, um homem comete o pecado, a despeito de si mesmo?” “Kama, Krodha,” responde Krishna, “desejo e raiva – são esses os hostis inimigos do homem.” (3.37)
O desejo é insaciável. Uma vez nascido, ele não sabe como morrer. A experiência de Yayati acerca do desejo pode lançar luz abundante sobre nós. Citemos a sua sublime experiência. O rei Yayati era um dos ilustres ancestrais dos Pandavas. Para ele, a derrota era uma desconhecida completa. Ele bem conhecia os Shastras (escrituras). Seu amor pelos súditos do reino era imenso. Intensa era a sua devoção a Deus. Não obstante, cruel foi o seu destino. Seu sogro, Sukracharya, o preceptor dos asuras (demônios), pronunciou uma maldição fatal sobre ele, e ele foi forçado a casar-se com a filha de Sukracharya, Devayani, bem como com Sarmistha. Sukracharya o amaldiçoou com velhice prematura. E, é claro, a maldição funcionou na mesma hora. O orgulho inimitável da masculinidade de Yayati foi impiedosamente atacado pela idade. Em vão, o reu implorou perdão. Sukracharya se acalmou um pouco. “Rei,” ele disse, “estou diminuindo a força da minha maldição. Se qualquer ser humano concordar em trocar a beleza e glória da juventude com você, com o estado deplorável do seu corpo, então você voltará aos primórdios das sua própria juventude.”
Yayati tinha cinco filhos. Ele implorou aos seus filhos, tentou-os com o trono do seu reino, persuadiu-os de todas as maneiras possíveis a concordarem com uma troca de vida. Seus primeiros quatro filhos recusaram suave e prudentemente. O mais jovem, o mais devotado, Puru, alegremente aceitou a velhice de seu pai. Ora vejam, Yayati uma vez mais voltou à plenitude da juventude. Na mesma hora, o desejo entrou em seu corpo e o ordenou a desfrutar da vida até a última gota. Ele apaixonou-se desesperadamente por uma apsara (ninfa) e passou muitos anos com ela. Mas ora, seu desejo insaciável não podia ser saciado pela auto-indulgência. Nunca. Por fim ele percebeu a verdade. Ele disse carinhosamente ao mais querido filho, Puru: “Filho, ó filho meu, é impossível satisfazer o desejo sensual. Ele não é mais extinto pela indulgência do que o fogo é extinto ao derramarmos ghee (manteiga clarificada) nele. A você eu retorno a sua juventude. A você eu dou o meu reino, como prometido. Reine com devoção e sabedoria.” Yayati uma vez mais voltou à velhice. Puru reconquistou a juventude e administrou o reino. Yayati passou o resto da vida na floresta praticando austeridades. No tempo certo, Yayati deu seu último suspiro ali. O pássaro-alma retornou à sua morada de deleite.[2]
O apto comentário de Bernard Shaw sobre o desejo pode ser citado para aumentar a glória da experiência de Yayati:
Há duas tragédias na vida. Uma é não conseguir o desejo do seu coração. A outra é consegui-lo.”
– Homem e Superhomem
O papel do desejo acabou. Agora saltemos sobre a fúria da raiva. A raiva nasce do desejo insatisfeito. A raiva é o elefante enlouquecido no homem. Para a nossa ampla surpresa, a maior parte dos celebrados sábios indianos do passado venerável acharam quase impossível conquistar a raiva. Eles costumavam amaldiçoar seres humanos a torto e a direito, por vezes até sem motivo. O sábio Durvasa, do Mahabharata, era o primeiro na lista de sábios realmente consumidos pela raiva. Ele era ao mesmo tempo a austeridade e a ira encarnadas.
Desejo satisfeito, a vida se torna uma cama de espinhos. Desejo superado, a vida se torna um leito de rosas. Desejo transformado em aspiração, a vida voa para a mais elevada libertação, a vida ceia com a suprema salvação.
[1] *Tal parece ser um bem conhecido dizer do Rei Janaka, citado de uma forma suavemente diferente no Mahabharata XII.17.18
[2] * Ramayana 7.58-59; veja também Vishnupurana IV.10 e Brahma-purana 146.11-18
Livro Bhagavad Gita – capítulo 2 – o Yoga do Conhecimento
Este capítulo chama-se Sankhya Yoga – “O Yoga do Conhecimento.” Os argumentos de Arjuna contra a guerra eram bastante plausíveis ao nosso entendimento humano. Sri Krishna leu o coração de Arjuna. A confusão corria solta na mente de Arjuna. Ele via o sentimento afeminado em seu sangue Kshatriya como um amor pela humanidade. Mas a Arjuna nunca faltava sinceridade. Sua boca disse o que seu coração sentia. Infelizmente, a sua sinceridade abrigava, inconscientemente, ignorância. Krishna queria iluminar Arjuna. “Ó Arjuna, em sua fala você é um filósofo, mas em sua ação você não o é. Um filósofo verdadeiro não fica de luto nem pelos vivos e nem pelos mortos. Mas, Arjuna, você está triste e preocupado. Conte-me, por que você teme a possível morte desses homens? Você existia, eu existi, e eles também. Nunca deixaremos de existir.” (2.11-12)
Acabamos de mencionar a filosofia de Arjuna. Nas mesmas condições, nós não estaríamos em situação diferente. A filosofia verdadeira é muito difícil de se estudar, mais difícil para se aprender e dificílima de se viver.
A palavra em sânscrito para filosofia é darshan, que quer dizer “ver, envisionar”. O comentário significativo de Sri Ramakrishna é: “No passado, as pessoas tinham visões (darshan); agora as pessoas estudam darshan (filosofia)!”
Igualmente relevante é a mensagem do Antigo Testamento: “Seus velhos homens sonharão sonhos; seus jovens homens terão visões.” (Joel 3:1)
Arjuna, pela primeira vez, aprendeu com Sri Krishna que a sua crença, no que trata sobre vida e morte, não estava fundada na verdade. Ele se sentiu distraído por ilusões. Ele rezou a Sri Krishna por iluminação. “Eu sou o seu humilde discípulo. Ensine-me, diga-me o que é melhor para mim.” (2.7) Pela primeira vez a palavra discípulo brotou dos lábios de Arjuna.
Até então Sri Krishna tinha sido seu amigo e colega. O discípulo aprendeu que “a Realidade que permeia o universo é a Vida imortal. O corpo é perecível; a alma, o real no homem, ou o homem real, é imorredoura, imortal. A alma não mata e nem morre. O conhecedor dessa verdade não mata e nem causa matança.” (2.17-21)
Arjuna tinha de lutar a batalha da vida, e não a dita Batalha de Kurukshetra. Ele tinha força. Faltava-lhe sabedoria. A consciência semi-luminosa da mente física, ele tinha. Da consciência sol-luminosa da divindade da alma, ele precisava.
Sri Krishna usou os termos ‘nascimento’, ‘vida’ e ‘morte’. Nascimento é a passagem da alma de um corpo mais baixo a um corpo mais elevado no processo de evolução, na jornada de reencarnação da alma. O sistema Sankhya afirma a absoluta identidade de causa e efeito. A causa é o efeito, silenciosa e secretamente involuído, e o efeito é a causa, ativa e abertamente evoluída. A evolução, de acordo com a filosofia Sankhya, nunca vem a partir do nada, do zero. O aparecimento do “é” só pode surgir da existência do “foi”. Preenchamos nossas mentes com o ditado imortal de Wordsworth, em ‘Intimations of Immortality’:
Nosso nascimento é tão somente um sono e um esquecer:
A Alma que ascende em nós, a Estrela da nossa vida
Teve em outro lugar o seu poente
E vem de longe:
Não em completo esquecimento,
Não em completa nudez,
Mas deixando rastros de glória nós viemos
De Deus, que é o nosso lar.
Aqui o poeta nos carrega para dentro do mistério da viagem eterna da alma e nos lembra da Fonte perene.
O que é vida? É a única oportunidade para manifestar e satisfazer o Divino aqui na Terra. Quando a vida começa a sua jornada, a Infinidade a cumprimenta. Quando a jornada é metade cumprida, a Eternidade a cumprimenta. Quando a jornada da vida é completa, a Imortalidade a cumprimenta. A vida vive a vida de perfeição quando ela vive na espiritualidade. Quando a vida vive na espiritualidade, que é o alento de Deus, ela fica muita acima do chamado da moralidade e das exigências do dever.
Deus diz à vida humana: “Levante, acorde, aspire! A meta é sua.” A vida humana diz a Deus: “Espere, estou descansando. Estou dormindo. Estou sonhando.” De repente, a vida fica envergonhada da sua conduta. Chorando, ela diz: “Pai, estou indo.” Soluçando, ela diz: “Pai, estou chegando.” Sorrindo, ela diz: “Pai, cheguei.”
A vida – o problema – pode ser solucionada pela alma – a solução. Mas, para isso, é necessário estar interiormente desperto.
Aquele que vive a vida interior sabe que a morte é apenas um quarto para descanso. Para ele, a morte é qualquer coisa, menos extinção. É uma despedida significativa. Quando nossa consciência é divinamente transformada, a necessidade da morte não surge. Para transformar a vida, necessitamos de Paz, Luz, Deleite e Poder. Nós clamamos por essas qualidades divinas. Elas clamam pela nossa aspiração, igualmente ansiosas para nos conceder a vida inesgotável. Mas, até que nosso corpo, vital, mente, coração e alma aspirem juntos, o poder, luz, deleite e paz divinos não poderão nos possuir.
O corpo tem morte, mas não a alma. O corpo dorme; a alma voa. Relembremos as palavras alma-comoventes deste capítudo do Gita sobre a morte e a alma. “Assim como um homem descarta roupas velhas em troca de novas, também o habitante do corpo, a alma, deixando para trás os corpos desgastados, entra em novos corpos. A alma migra de um corpo ao outro. Armas não podem parti-la, o fogo não pode consumi-la, a água não pode encharcá-la e nem o vento secá-la.” (2.22-23) Isso é a alma e isso é o que se diz da existência da alma. Seria-nos bom conselho observar a existência da morte, se é que há alguma, nas densas palavras de Sri Aurobindo, o fundador do Yoga Integral. “A morte,” ele exclama, “não possui existência própria. Ela é resultado do princípio do decaimento no corpo, e esse princípio é latente – ele é parte da natureza física. Ao mesmo tempo, ela não é inevitável. Se alguém tem a consciência e força necessárias, decaimento e morte não são inevitáveis.”*
* Sri Aurobindo, Letters on Yoga, vol. 3, Pondicherry, 1971, p. 1230.
Aquilo a que chamamos de morte nada é senão ignorância. Podemos solucionar o problema da morte apenas quando sabemos o que é a vida. A vida é eterna. Ela existiu antes do nascimento e ela existirá após a morte. A vida também existe entre o nascimento e a morte. Ela está além do nascimento e morte. A vida é infinita. A vida é imortal. Um buscador da Verdade infinita não assina a declaração de Schopenhauer: “Desejar imortalidade é desejar a perpetuação de um grande engano.” Não há sombra de dúvida de que é o buscador incessante dentro do homem quem é a vida da Imortalidade, pois sua própria existência indica a Visão do Supremo, que ilumina o universo, e a Realidade do Supremo, que preenche a criação.
Arjuna, o discípulo, aprende também o seguinte: “Cumpra o seu dever. Não vacile. Não tenha um coração fraco. Você é um kshatriya. Não pode haver um convite melhor para um ksatriya do que uma guerra justa.” (2.31)
O dever de um ksatriya (guerreiro) nunca será o dever de um asceta. Um asceta não deve realizar o dever de um kshatriya. O kshatriya, igualmente, não deve seguir o caminho do mundo-renunciante. A imitação não é para o buscador. Aprendemos com Emerson que “imitação é suicídio.”
O dever de um guerreiro é lutar, lutar pelo estabelecimento da verdade. “Na vitória, o mundo inteiro será seu; na morte, as portas do paraíso o receberão.” (2.37)
Sri Krishna desvelou o caminho de sankhya (conhecimento) para Arjuna: “Arjuna, encare a vitória e a derrota, alegria e tristeza, ganho e perda como iguais. Não se importe com elas. Apenas lute! Lutando assim, não cometerá pecado algum.” (2.38)
O Professor revelou o caminho do conhecimento (sankhya). Agora, ele quer ensinar ao aluno o caminho da ação (karma yoga). Arjuna, surpreendentemente, aprendeu que esse caminho, o caminho da ação, o segundo caminho, é frutífero e lhe trará libertação. A sublime verdade é que “a ação é o seu dever nato, e não o resultado e nem os frutos da ação. Que os frutos não sejam o seu objeto, e que você não seja apegado à inação. Seja ativo e dinâmico, e não procure qualquer recompensa.” (2.47) Podemos simultaneamente atiçar a chama da nossa consciência com a sabedoria do Isha Upanishad: “A ação não se prende ao homem.” (Ishopanishad 2)
Já usamos o termo ‘yoga’. O que é yoga? “Equanimidade,” diz Sri Krishna, “é yoga.” (2.48) Ele também diz: “Yoga é sabedoria habilidosa em ação.” (2.50)
O progresso interior de Arjuna é notável. Ele agora sente a necessidade de se libertar da vida-desejo. Sri Krishna lhe ensina como se desapegar totalmente da vida-limitação dos sentidos, assim como uma tartaruga recolhe todas as suas patas para dentro do casco. A retração-dos-sentidos ou a retração dos objetos sensuais, no entanto, não indica o final da jornada do homem. “A mera retração não consegue por um fim ao nascimento do desejo. O desejo desaparece apenas quando o Supremo aparece. Em Sua Presença, a vida-desejo perde a existência. Não antes.” (2.59)
Este segundo capítulo lança considerável luz sobre sankhya (conhecimento) e yoga (ação). Sankhya e yoga nunca estão em oposição. Um é conhecimento meditativo desapegado, e o outro é ação dedicada e altruísta. A vida de prazer animal deve abandonar seu alento vivente e ardente na toda-preenchedora vida do Deleite divino.
O Katha Upanishad declara os degraus da escada sempre-ascendente.
Mais elevados do que os sentidos são os objetos dos sentidos;
Mais elevada do que os objetos dos sentidos é a mente;
Mais elevado do que a mente é o intelecto;
Mais elevado do que o intelecto é o Eu;
Mais elevado do que o Eu é o Imanifesto,
Mais elevado do que o Imanifesto é o Supremo personificado,
E o Supremo é o Altíssimo, a Meta Derradeira.
(Kathopanishad 1.3.10-11)
Já vimos o que acontece quando nos elevamos. Agora vejamos o que acontece quando vivenciamos os objetos-sentidos. O Gita nos diz: “Viver nos objetos-sentidos dá a luz ao apego, e o apego dá a luz ao desejo. O desejo (insatisfeito) traz ao mundo a vida de raiva. Da raiva, surge a desilusão, e da desilusão, a confusão da memória. Na confusão da memória, a sabedoria racional é perdida. Quando a sabedoria não é vista, o que há é destruição – dentro, fora, abaixo e acima.” (2.62-63)
A dança da destruição acabou. Ansiemos pela salvação. Apenas o aspirante disciplinado, auto-controlado, será abençoado pela enxurrada de paz. Por fim, o aspirante será abraçado pela salvação, a iluminação interior.
O Gita começa com as palavras Dharmakshetre Kurukshetre (Bhagavad Gita 1.1). “No campo sagrado de Kurukshetra” – essa é a tradução literal. Kshetra significa campo. Dharma é uma palavra espiritual extremamente fértil em significados. Ela quer dizer o código interior da vida; lei moral, religiosa e espiritual; fé viva na existência de Deus e na própria existência; dever pleno de alma, especialmente os previstos nas escrituras, observância devotada de qualquer casta ou secto e disposição para atender os ditames da própria alma.
A raiz em sânscrito da palavra dharma é dhri, prender. Quem nos prende? Deus. O que nos prende? A Verdade. O Dharma prevalece. Se não sempre, por fim ele deve prevalecer, pois no dharma está o próprio alento de Deus.
Duryodhana foi até Gandhari, sua mãe, na véspera da guerra, para receber suas bênçãos. ‘Tal mãe, tal filho’, dizem. Mas aqui tratamos de uma verdadeira exceção. Ela abençoou Duryodhana, dizendo: “A vitória estará onde o dharma estiver.” Isso quiz dizer que Yudhisthira, o filho do dharma, venceria a guerra. Ela tinha tal coração altruísta. E digo mais: o mundo estuda o dharma único de Gandhari na aceitação inigualável do destino de seu esposo. Deus não deu visão a Dhritarashtra. Gandhari provou sua unicidade absoluta com seu esposo cego ao vendar seus próprios olhos. Ela abraçou a cegueira, um sacrifício digno de ser lembrado e admirado pela humanidade. Ela não via o mundo exterior. Mas as bênçãos prediletas do mundo interior pairavam sobre Gandhari.
O dharma do nosso corpo é o serviço, o dharma da nossa mente é a iluminação, o dharma do nosso coração é a unicidade e o dharma da nossa alma é a libertação.
Algumas pessoas clamam que dharma quer dizer religião. Nesse caso, quantas religiões existem? Apenas uma. Certamente não existem duas, e muito menos três. E o que significa religião? Religião significa descoberta-homem e descoberta-Deus, as quais são a mesma e única coisa.
Observemos atentamente a palavra dharmakshetra, ‘o campo do dharma’. Por que Kurukshetra é chamado de dharmakshetra? Um campo de batalha pode ser qualquer coisa menos dharmakshetra, mas essa batalha se deu no Kurukshetra, onde incontáveis sacrifícios religiosos foram realizados. E algo mais: Kurukshetra era situado em meio a dois rios sagrados, o Yamuna e o Saraswati, na parte noroeste da Índia. Um rio é perpetuamente sagrado. O rio abriga água. Água representa consciência no domínio da espiritualidade, e essa consciência é sempre pura, intocada, santificadora e energizante. Descobrimos porque o Kurukshetra se chamava dharmakshetra e não outra coisa.
Considerar o primeiro capítulo como um capítulo introdutório, dando-lhe muito pouca importância, como fazem alguns estudiosos, intérpretes e leitores, pode não ser um ato de sabedoria. O primeiro capítulo tem um significado especial próprio. Ele lida com a tristeza de Arjuna, com seu conflito interior. O pobre Arjuna estava dividido em tristeza entre duas idéias igualmente formidáveis: deveria ele ir à guerra ou não? Curiosamente, Kunti Devi, a mãe de Arjuna, orava ao Senhor Krishna para que lhe abençoasse com tristeza perpétua. Por quê? Kunti Devi percebeu que, se a tristeza a abandonasse e a deixasse para sempre, certamente não haveria necessidade da sua parte de invocar o Senhor Krishna. O seu mundo queria sempre a tristeza, sofrimento e tribulação, para que o seu coração pudesse constantemente acalentar a toda-compassiva Presença do Senhor. Até um certo ponto, podemos recordar, sob o mesmo tema, o Endymion de Keats:
“… mas alegremente, alegremente ela (a tristeza)
me ama carinhosamente;
Ela é tão constante comigo, e tão bondosa.”
Na verdade, do mais elevado ponto de vista espiritual, não podemos hospedar a sabedoria de Kunti Devi. Uma pessoa espiritual não tem de abraçar o sofrimento com a esperança de alcançar a Dádiva de Deus. Ela tem de aspirar. Sua aspiração tem de revelar a presença de Deus dentro dela – o Amor , a Paz, Deleite e Poder de Deus. Ela encara a tristeza como uma experiência na vida. A pessoa espiritual também sabe que é Deus quem está tendo essa experiência em e através dela.
É verdade que a tristeza purifica nosso coração emocional. Mas a Luz divina realiza essa tarefa de maneira muito mais exitosa. Ainda assim, não devemos temer a chegada da tristeza na vida. Longe disso. A tristeza deve ser transformada em alegria duradoura. Como? Com a aspiração ascendente do nosso coração e a sempre-fluente Compaixão de Deus combinadas. Por quê? Porque Deus é todo alegria, e o que nós humanos queremos é ver, sentir, realizar e por fim nos tornarmos Deus, o Deleitoso.
Os principais guerreiros podiam ser vistos agora em ambos os lados. Alguns estavam ávidos para lutar, de forma a demonstrar seu grande valor, ao passo que guerreiros inigualáveis como Bhishma, Drona e Kripa lutavam por conta de um débito moral. No campo de batalha em si, logo antes de a batalha começar, Yudhisthira caminhou descalço até o exército oponente, precisamente até Bhishma, Drona e outros simpatizantes, buscando suas bênçãos. Bhishma, enquanto abençoava Yudhisthira dos mais profundos recônditos de seu coração, disse: “Filho, meu corpo irá lutar, mas meu coração estará com você e seus irmãos. Sua Vitória está destinada.” Drona, ao abençoar Yudhisthira, exclamou: “Sou vítima de um débito. Eu lutarei pelos Kauravas, é verdade. Mas a vitória será sua. Tal é a certeza do meu coração brâmane.”
Acabadas as bênçãos, Yudhisthira retornou. Então soaram inúmeras trombetas, conchas, tambores de guerra e cornetas. Elefantes bramiram, cavalos relincharam. A mais selvagem tempestade despencou.
Flechas voaram como meteoros no céu. Esquecida estava a doce, antiga afeição. A morte cantava a sua canção. Podemos agora lembrar da “Investida da Brigada Leve” –
Canhões à direita deles,
Canhões à esquerda e
Canhões adiante
Atiraram e relampejaram;
Trovejados com balas e projéteis
Corajosamente eles cavalgaram
Diretamente para as mandíbulas da Morte.
O canhão não havia ainda sido inventado naquele tempo, nos dias do Mahabharata, mas a cena de morte era a mesma, com flechas, espadas, maças e projéteis. Não seria necessário explicitar, mas devemos nos identificar com as flechas, maças e rugidos de leão dos heróis do Mahabharata, e não com as grandiosas descobertas de guerra de hoje. A alegria em conhecer as conquistas do passado venerável é, ao mesmo tempo, irresistível e inimaginável.
Arjuna exclamou: “Por favor, posicione minha carruagem, Ó Krishna, entre as duas formações de batalha, para que eu possa ver aqueles que anseiam pela guerra. (1.21-22)” Ele observou as posições da batalha. Mas, ora, Arjuna viu entre seus oponentes mortais aquelas mesmas almas humanas com quem sempre teve proximidade e por quem sempre sentiu carinho. Assoberbado de uma tristeza escura, Arjuna, pela primeira vez na sua vida de heroísmo ímpar, manifestou uma impensável expressão de fraqueza de coração. “Meu corpo treme, minha boca está seca, meus braços estão moles, o medo me tortura integralmente, tenho arrepios nos pelos, meu arco escapa da minha mão e minha mente vacila. É difícil para mim até mesmo ficar em pé. Krishna, a vitória sobre eles, meus inimigos presentes, eu não busco. Eles eram parte de mim. Ainda são. Eu não busco reinos ou vida fácil. Que eles ataquem, pois eles querem e o farão. Mas eu não lançarei minha arma sobre eles, nem mesmo pela soberania sobre os três mundos, e tanto menos pela terra!”
Com uma arma moral após a outra, Arjuna atacou Sri Krishna. Ele estava determinado a descartar suas armas de guerra para sempre. Arjuna começou a sua filosofia com a correta predição da carnificina de seus compatriotas, da terrível calamidade da destruição da família. Ele enfatizou que, quando a virtude se perde, a família fica presa firmemente sob as algemas do mal. E tudo isso se dá por conta da falta de licitude. Quando a ilicitude predomina, as mulheres da família ficam corrompidas. Com as mulheres corrompidas, a confusão de castas começa a surgir.
Ofereço algumas palavras sobre a confusão de castas. A Índia ainda é ridicularizada impiedosamente por se ater ao sistema de castas. Em verdade, o sistema de castas é a unidade na diversidade. Cada casta é como um membro do corpo. As quatro castas são: o brahmin (sacerdote), o kshatriya (guerreiro), o vaishya (agricultor) e o sudra (trabalhador). A origem das castas é vista nos vedas. O brahmin é a boca do Purusha, o Supremo personificado. Rajanya (kshatriya) são os dois braços do Purusha. Os vaishyas são suas coxas, e os sudras são seus pés.
Em conexão com a destruição das castas, Arjuna diz ao Senhor Krishna que tudo leva em direção ao temível pecado. No mundo ocidental, infelizmente, a palavra ‘pecado’ parece estar presente em todos os âmbitos da vida como algo mais fatal do que a perdição. Para eles, (perdoem-me,) o pecado é parte da vida. No oriente, especialmente na Índia, a palavra pecado traz um significado diferente. Ele representa imperfeição, nada mais e nada menos. A consciência humana prossegue da imperfeição à perfeição. Os videntes dos Upanishads não davam importância alguma ao pecado. Eles ensinavam ao mundo a serenidade, santidade, integridade e divindade do homem.
Retornemos ao pobre Arjuna. Ele disse: “Que os filhos de Dhritarashtra, armados, acabem com a minha vida enquanto eu esteja desarmado, sem resistência. Prefiro, em toda a sinceridade, a minha morte à vitória!” (1.46)
Ó Arjuna, o herói supremo! Descartando o seu arco e flecha, com pesar, trêmulo e devotadamente, Arjuna afunda no canto da sua carruagem.
“Lutar não é para Arjuna. Krishna, eu não lutarei.” (cf. 2.9)
Nunca desista! Continue praticando e se inspirando a seguir em frente!
Fizemos uma listinha de sugestões para quem já fez o curso e gostaria de continuar se aprofundando ou reviver alguns momentos. Como sempre, tudo é gratuito! Fica um testinho também: você consegue aproveitar um pouco de cada uma das as páginas sugeridas abaixo?
Livros impressos ou online: se quiser ter os livros impressos, temos mais de vinte títulos em português para venda (pois eles nos custam). No Sri Chinmoy Library está 99% dos 1700 livros que Sri Chinmoy escreveu para leitura gratuita, em inglês, naturalmente. Há também uma seção com livros em português, também gratuito.
Lista de páginas selecionadas sobre diversos temas:
Aqui escolhi alguns trechos dos escritos de Sri Aurobindo relacionados à meditação, todos em inglês, disponíveis em PDF no site Sri Aurobindo Ashram. Sri Chinmoy cresceu no Ashram de Sri Aurobindo.
Meditation
What exactly is meant by meditation in Yoga? And what should be its objects?
The difficulty our correspondent finds is in an apparent conflict
of authorities, as sometimes meditation is recommended in the
form of a concentrated succession of thoughts on a single subject, sometimes in the exclusive concentration of the mind on a
single image, word or idea, a fixed contemplation rather than
meditation. The choice between these two methods and others,
for there are others, depends on the object we have in view in
Yoga.
The thinking mind is the one instrument we possess at
present by which we can arrive at a conscious self-organisation
of our internal existence. But in most men thought is a confused drift of ideas, sensations and impressions which arrange
themselves as best they can under the stress of a succession of
immediate interests and utilities. In accordance with the general
method of Nature much is used as waste material and only a
small portion selected for definite and abiding formations. And
as in physical Nature, so here the whole process is governed by
laws which we rather suffer than use or control.
The concentration of thought is used by the Rajayogins to
gain freedom and control over the workings of mind, just as the
processes of governed respiration and fixed posture are used by
the Hathayogins to gain freedom and control over the workings
of the body and the vital functions.
By meditation we correct the restless wandering of the mind
and train it like an athlete to economise all its energies and fix
them on the attainment of some desirable knowledge or selfdiscipline. This is done normally by men in ordinary life, but
Yoga takes this higher working of Nature and carries it to its
full possibilities. It takes note of the fact that by fixing the mind
luminously on a single object of thought, we awaken a response
in general Consciousness which proceeds to satisfy the mind by
pouring into it knowledge about that object or even reveals to
us its central or its essential truth. We awaken also a response
of Power which gives us in various ways an increasing mastery
over the workings of that on which we meditate or enables us to
create it and make it active in ourselves. Thus by fixing the mind
on the idea of Divine Love, we can come to the knowledge of
that principle and its workings, put ourselves into communion
with it, create it in ourselves and impose its law on the heart and
the senses.
In Yoga concentration is used also for another object, —
to retire from the waking state, which is a limited and superficial condition of our consciousness, into the depths of our
being measured by various states of Samadhi. For this process
contemplation of the single object, idea or name is more powerful than the succession of concentrated thoughts. The latter,
however, is capable, by bringing us into indirect but waking
communion with the deeper states of being, of preparing an
integral Samadhi. Its characteristic utility, however, is the luminous activity of formative thought brought under the control
of the Purusha by which the rest of the consciousness is governed, filled with higher and wider ideas, changed rapidly into
the mould of those ideas and so perfected. Other and greater
utilities lie beyond, but they belong to a later stage of selfdevelopment.
In the Yoga of Devotion, both processes are equally used
to concentrate the whole being or to saturate the whole nature with thoughts of the object of devotion, its forms, its
essence, its attributes and the joys of adoration and union.
Thought is then made the servant of Love, a preparer of
Beatitude. In the Yoga of Knowledge meditation is similarly
used for discrimination of the True from the apparent, the
Self from its forms, and concentrated contemplation for communion and entry of the individual consciousness into the
Brahman.
An integral Yoga would harmonise all these aims. It would
have also at its disposal other processes for the utilisation of
thought and the mastery of the mind
Essays in Philosophy and Yoga
The other source of my philosophy was the knowledge that flowed from above when I sat in
meditation, especially from the level of the Higher Mind when
I reached that level. . . . This source was exceedingly catholic
and many-sided and all sorts of ideas came in which might
have belonged to conflicting philosophies but they were here
reconciled in a large synthetic whole.
The Life Divine
No doubt the true and strong aspiration is needed, but it is not
a fact that the true thing is not there in you. If it had not been,
the Force could not have worked in you. But this true thing
was seated in the psychic and in the heart and whenever these
were active in the meditation it showed itself. But for the sake of
completeness the working had to come down into the physical
consciousness and establish the quietude and the openness there.
The physical consciousness is always in everybody in its own
nature a little inert and in it a constant strong aspiration is not
natural, it has to be created. But first there must be the opening,
a purification, a fixed quietude, otherwise the physical vital will
turn the strong aspiration into over-eagerness and impatience
or rather it will try to give it that turn. Do not therefore be
troubled if the state of the nature seems to you to be too neutral
and quiet, not enough aspiration and movement in it. This is a
passage necessary for the progress and the rest will come.
Especially in the beginning the one great necessity is to get the
mind quiet, reject at the time of meditation all thoughts and
movements that are foreign to the sadhana. In the quiet mind
there will be a progressive preparation for the experience. But
you must not become impatient if all is not done at once; it takes
time to bring entire quiet into the mind; you have to go on till
the consciousness is ready.
Letters On Yoga
In the Gita we have a process which is not the process of
Raja-Yoga. It seeks a short cut to the common aim and goes
straight to the stillness of the mind. After putting away desire
and fear the Yogin sits down and performs upon his thoughts
a process of reining in by which they get accustomed to an
inward motion. Instead of allowing the mind to flow outward,
he compels it to rise and fall within, and if he sees, hears, feels
or smells outward objects he pays no attention to them and
draws the mind always inward. This process he pursues until
the mind ceases to send up thoughts connected with outward
things. The result is that fresh thoughts do not accumulate in
the chitta at the time of meditation, but only the old ones rise.
If the process be farther pursued by rejecting these thoughts as
they rise in the mind, in other words by dissociating the thinker
from the mind, the operator from the machine and refusing to
sanction the continuance of the machine’s activity, the result is
perfect stillness. This can be done if the thinker whose interest
is necessary to the mind, refuses to be interested and becomes
passive. The mind goes on for a while by its own impetus just
as a locomotive does when the steam is shut off, but a time
must come when it will slow down and stop altogether. This
is the moment towards which the process moves. Na kinchid
api chintayet: — the Yogin should not think of anything at all.
Blank cessation of mental activity is aimed at leaving only the
sakshi, the witness watching for results. If at this moment the
Yogin entrusts himself to the guidance of the universal Teacher
within himself, Yoga will fulfil itself without any farther effort
on his part. The passivity will be confirmed, the higher faculties
will awake and the cosmic Force passing down from the vijnana
through the supermind will take charge of the whole machine
and direct its workings as the Infinite Lord of All may choose.
Essays Divine and Human
The awakening of illumination was actively effected by the triple method of
repetition, meditation and discussion. Avr¯ . tti or repetition was
meant to fill the recording part of the mind with the sabda´
or word, so that the artha or meaning might of itself rise from
within. Needless to say, a mechanical repetition was not likely to
produce this effect. There must be that clear still receptivity and
that waiting upon the word or thing with the contemplative part
of the mind which is what the ancient Indians meant by dhyana¯
or meditation. All of us have felt, when studying a language,
difficulties which seemed insoluble while grappling with a text,
suddenly melt away and a clear understanding arise without assistance from book or teacher after putting away the book from
our mind for a brief period. Many of us have experienced also,
the strangeness of taking up a language or subject, after a brief
discontinuance, to find that we understand it much better than
when we took it up, know the meanings of words we had never
met with before and can explain sentences which, before we
discontinued the study, would have baffled our understanding.
This is because the jn˜at¯ a¯ or knower within has had his attention
called to the subject and has been busy in the interval drawing
upon the source of knowledge within in connection with it. This
experience is only possible to those whose sattwic or illuminative element has been powerfully aroused or consciously or
unconsciously trained to action by the habit of intellectual clarity
and deep study. The highest reach of the sattwic development is
when one can dispense often or habitually with outside aids, the
teacher or the text book, grammar and dictionary and learn a
subject largely or wholly from within. But this is only possible to
the Yogin by a successful prosecution of the discipline of Yoga.
Muitas vezes as pessoas me perguntam se devem meditar de olhos abertos. Em noventa por cento dos casos, aqueles que mantêm os olhos fechados durante a meditação acabam dormindo; conseguem meditar por cinco minutos, e durante quinze, ficam no mundo do sono. Não há energia dinâmica, mas sim letargia, complacência e uma espécie de sensação doce, repousante.
Ao manter seus olhos fechados durante a meditação e entrar no mundo do sono, você pode ficar entretido com todos os tipos de fantasia. Sua imaginação fértil pode fazê-lo sentir que está entrando nos mundos mais elevados. Existem muitas maneiras de acreditar que está tendo uma meditação maravilhosa. Assim, é melhor meditar com os olhos semiabertos. Desse modo, você ficará na raiz e no ramo mais alto ao mesmo tempo. A parte que tem os olhos meio abertos é a raiz, simbolizando a Mãe-Terra. A parte que tem os olhos meio fechados é o ramo mais alto, o mundo da visão ou, digamos, o Céu. Sua consciência estará no nível mais elevado, mas também aqui na Terra, tentando transformar o mundo.
Quando medita com os olhos semiabertos, você está praticando o que é chamado de “meditação do leão”. Mesmo se estiver profundamente mergulhado em si mesmo, você focará a sua atenção consciente tanto no plano físico quanto no subconsciente. Tanto o mundo físico, com seus ruídos e distrações, como o mundo subconsciente, o mundo do sono, o estão convidando. Entretanto, você está vencendo os dois. Você está dizendo: “Estou atento. Vocês não podem me levar para os seus domínios”. Já que os seus olhos estão parcialmente abertos, você não vai dormir. Portanto, você está desafiando o mundo do subconsciente. Ao mesmo tempo, está controlando o plano físico, porque pode ver o que está acontecendo ao seu redor.
Meditação de olhos abertos, fechados ou entreabertos?
Comentário por Patanga Cordeiro
Olhos abertos, sempre! (Na verdade, entreabertos)
Essa é uma pergunta muito comum mesmo. Costumo ouvir essa pergunta mais ou menos umas duas ou três vezes por mês, de uma forma ou de outra. Quando você for aprender a tocar um instrumento musical, a postura das mãos pode ser incômoda, mas logo se acostumará e se tornará um bom músico. Se começar errado, o seu progresso irá obstar em algum momento e você terá que recomeçar com a posição correta. Por isso, a meditação se faz sempre de olhos abertos!
Por que não meditar de olhos fechados?
Porque se fechar os olhos, o seu corpo pensa que é hora de relaxar, dormir ou divagar. Meditação é para você elevar a sua consciência, crescer em percepção de uma realidade na qual não prestamos atenção diariamente. Dormir, relaxar ou divagar é o processo inverso.
Por que meditar de olhos abertos? (na verdade, entreabertos)
De olhos abertos, você consegue enxergar o seu ambiente. Assim, sabe que está desperto, ativo. O que não quer dizer que vai ficar pensando nas mesmas coisas do seu dia.
Repare nas estátuas do Buda e na foto de Mestres espirituais modernos… todos de olhos entreabertos em meditação.
E porque deixá-los entreabertos?
Com os olhos todo abertos, fica mais difícil piscar sem perder a concentração, além de que você enxerga bastante do ambiente. Com os olhos entreabertos, seu rosto fica mais relaxado, e menos informação chega até você. Ainda assim, você está alerta. Essa é a melhor posição dos olhos para meditar. Uma dica é não forçar os olhos para deixa-los entreabertos. Apenas relaxe as pálpebras, e o que for natural provavelmente será ideal. Algumas pessoas ficam com os olhos quase fechados, e outras quase abertos. O que for natural para você provavelmente será ideal.
Exercícios de meditação com olhos abertos
Do livro Meditação, de Sri Chinmoy
O ponto. Se você quiser desenvolver o poder de concentração, pode tentar este exercício. Primeiro, lave bem o rosto e os olhos com água fria. Então desenhe um ponto preto na parede, na altura dos olhos. Encare o ponto, mais ou menos a uns trinta centímetros de distância, e concentre-se nele. Após alguns minutos, tente sentir que, ao inspirar, na verdade, a sua respiração está vindo do ponto, e que ele também está inspirando, recebendo a respiração de você. Tente sentir que existem duas pessoas: você e o ponto preto. Sua respiração está vindo do ponto e a respiração dele está vindo de você.
Em dez minutos, se a sua concentração for muito poderosa, você sentirá que a sua alma o deixou e entrou no ponto preto da parede. Nesse momento, tente sentir que você e a sua alma estão conversando. Sua alma o está levando para o mundo dela, para a realização, e você está trazendo a alma para o mundo físico, para a manifestação. Desse modo você poderá desenvolver o seu poder de concentração com muita facilidade. Contudo, esse método precisa ser praticado. Há muitas coisas que são bem fáceis quando praticadas. Entretanto, por não as praticarmos, não conseguimos o resultado.
Visão e realidade. Outro exercício que você pode tentar é o seguinte: primeiro, faça um círculo bem pequeno na parede, na altura dos olhos. Dentro dele, desenhe um ponto preto. Ele deve ser preto; nem azul, nem vermelho, nem de qualquer outra cor. Então encare a parede, a cerca de um metro de distância, e focalize a sua atenção no círculo. Seus olhos devem ficar relaxados e semiabertos. Deixe que a força de sua concentração venha do meio da sua testa. Depois de três ou quatro minutos, abra totalmente os olhos e tente sentir que, da cabeça aos pés, você é todo olhos. Toda a sua existência física nada mais é senão visão, e essa visão está focalizada no ponto dentro do círculo. Então comece a fazer com que o objeto de sua concentração se torne cada vez menor. Após alguns segundos, tente sentir que o seu corpo inteiro se tornou tão pequeno quanto o ponto na parede. Tente sentir que o ponto é uma outra parte de você. Então entre no ponto, atravesse-o e vá até o outro lado. Do outro lado do ponto, olhe para trás e veja o seu próprio corpo. Seu corpo físico está de um lado. Entretanto, com a força da sua concentração, você enviou o seu corpo sutil para o outro lado do ponto. Por meio do seu corpo sutil, você está vendo o seu corpo físico. E, por meio do seu corpo físico, você está vendo o seu corpo sutil.
Quando começou a se concentrar, o seu corpo físico se transformou totalmente em visão. Nesse momento, o ponto era a sua realidade. Quando você entrou no ponto, a visão e a realidade tornaram-se uma só coisa. Você era a visão e também a realidade. Mas, ao olhar para si mesmo a partir do ponto, o processo foi invertido. Nesse momento você se transformou na visão externa de si mesmo, e o lugar ao qual retornou – o seu corpo – era a realidade. Assim a visão e a realidade tornaram-se uma só coisa novamente. Quando você pode enxergar a visão e a realidade desse modo, a sua concentração é totalmente perfeita. Quando o seu poder de concentração puder levá-lo para o outro lado do ponto – que você chamava de realidade – toda a sua existência estará muito além da visão e da realidade. E, ao sentir que transcendeu as a sua visão e a sua realidade, você terá poder ilimitado.
Se você for um discípulo meu, ao se concentrar no ponto preto dentro do círculo, poderá tentar ver o seu próprio ser ali – a sua face de aspiração. Sinta que você existe só ali e em nenhum outro lugar. Então procure sentir que a sua existência, a sua face, a sua consciência – tudo – foi substituído pela minha. Uma vez que sinta que a toda a sua existência anterior foi completamente substituída pela minha, terá estabelecido a sua unicidade inseparável comigo, e certamente a minha força de vontade entrará na sua vida.
A flor interior. Para este exercício, você precisará de uma flor. Com os olhos semi-abertos, olhe para a flor inteira por alguns segundos. Enquanto estiver se concentrando, tente sentir que você mesmo é a flor. Ao mesmo tempo, tente sentir que ela está crescendo nos recônditos mais profundos do seu coração. Sinta que você é a flor, e que está crescendo dentro do seu coração.
Gradualmente tente se concentrar numa única pétala. Sinta que a pétala que você escolheu é a forma-semente da sua existência-realidade. Depois de alguns minutos, concentre-se na flor inteira de novo, e sinta que ela é a Realidade Universal. Desse modo, siga de uma coisa para a outra, primeiro se concentrando na pétala – a forma-semente da sua realidade – e então na flor inteira – a Realidade Universal. Enquanto estiver fazendo isso, não permita que nenhum pensamento entre na sua mente. Procure deixá-la totalmente calma, silenciosa e tranquila.
Depois de algum tempo, feche os olhos e tente ver a flor em que estava se concentrando dentro do seu coração. Da mesma maneira que você se concentrou na flor física, concentre-se na flor dentro do seu coração, com os olhos fechados.
A vastidão do céu. Mantenha os olhos semiabertos e imagine o vasto céu. No começo, tente sentir que o céu está diante de você. Mais tarde, tente sentir que você é tão vasto quanto o céu ou que é a próprio vasto céu.
Depois de alguns minutos, feche os olhos e tente ver e sentir o céu dentro do seu coração. Sinta que você é o coração universal, e que dentro de si mesmo está o céu no qual meditou e com o qual se identificou. O seu coração espiritual é infinitamente mais vasto do que o céu. Portanto, você pode facilmente abrigar o firmamento dentro de si.
Houve um tempo
Em que eu adorava
As tapeçarias fantásticas da mente.
Houve um tempo
Em que eu vivia minha vida
Fundado em ficções escolhidas.
Houve um tempo
Em que eu estava satisfeito
Com um fragmento da realidade,
Moída, partida e despedaçada.
Mas agora uma lúcida iluminação
Adentrou no meu coração.
A eterna Presença
Da Luz da Infinidade
Nutre o Despertar da minha Visão.