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Livro Bhagavad Gita – capítulo 2 – o Yoga do Conhecimento

 

Este capítulo chama-se Sankhya Yoga – “O Yoga do Conhecimento.” Os argumentos de Arjuna contra a guerra eram bastante plausíveis ao nosso entendimento humano. Sri Krishna leu o coração de Arjuna. A confusão corria solta na mente de Arjuna. Ele via o sentimento afeminado em seu sangue Kshatriya como um amor pela humanidade. Mas a Arjuna nunca faltava sinceridade. Sua boca disse o que seu coração sentia. Infelizmente, a sua sinceridade abrigava, inconscientemente, ignorância. Krishna queria iluminar Arjuna. “Ó Arjuna, em sua fala você é um filósofo, mas em sua ação você não o é. Um filósofo verdadeiro não fica de luto nem pelos vivos e nem pelos mortos. Mas, Arjuna, você está triste e preocupado. Conte-me, por que você teme a possível morte desses homens? Você existia, eu existi, e eles também. Nunca deixaremos de existir.” (2.11-12)

Acabamos de mencionar a filosofia de Arjuna. Nas mesmas condições, nós não estaríamos em situação diferente. A filosofia verdadeira é muito difícil de se estudar, mais difícil para se aprender e dificílima de se viver.

A palavra em sânscrito para filosofia é darshan, que quer dizer “ver, envisionar”. O comentário significativo de Sri Ramakrishna é: “No passado, as pessoas tinham visões (darshan); agora as pessoas estudam darshan (filosofia)!”

Igualmente relevante é a mensagem do Antigo Testamento: “Seus velhos homens sonharão sonhos; seus jovens homens terão visões.” (Joel 3:1)

Arjuna, pela primeira vez, aprendeu com Sri Krishna que a sua crença, no que trata sobre vida e morte, não estava fundada na verdade. Ele se sentiu distraído por ilusões. Ele rezou a Sri Krishna por iluminação. “Eu sou o seu humilde discípulo. Ensine-me, diga-me o que é melhor para mim.” (2.7) Pela primeira vez a palavra discípulo brotou dos lábios de Arjuna.

Até então Sri Krishna tinha sido seu amigo e colega. O discípulo aprendeu que “a Realidade que permeia o universo é a Vida imortal. O corpo é perecível; a alma, o real no homem, ou o homem real, é imorredoura, imortal. A alma não mata e nem morre. O conhecedor dessa verdade não mata e nem causa matança.” (2.17-21)

Arjuna tinha de lutar a batalha da vida, e não a dita Batalha de Kurukshetra. Ele tinha força. Faltava-lhe sabedoria. A consciência semi-luminosa da mente física, ele tinha. Da consciência sol-luminosa da divindade da alma, ele precisava.

Sri Krishna usou os termos ‘nascimento’, ‘vida’ e ‘morte’. Nascimento é a passagem da alma de um corpo mais baixo a um corpo mais elevado no processo de evolução, na jornada de reencarnação da alma. O sistema Sankhya afirma a absoluta identidade de causa e efeito. A causa é o efeito, silenciosa e secretamente involuído, e o efeito é a causa, ativa e abertamente evoluída. A evolução, de acordo com a filosofia Sankhya, nunca vem a partir do nada, do zero. O aparecimento do “é” só pode surgir da existência do “foi”. Preenchamos nossas mentes com o ditado imortal de Wordsworth, em ‘Intimations of Immortality’:

 

Nosso nascimento é tão somente um sono e um esquecer:

A Alma que ascende em nós, a Estrela da nossa vida

Teve em outro lugar o seu poente

E vem de longe:

Não em completo esquecimento,

Não em completa nudez,

Mas deixando rastros de glória nós viemos

De Deus, que é o nosso lar.

 

Aqui o poeta nos carrega para dentro do mistério da viagem eterna da alma e nos lembra da Fonte perene.

O que é vida? É a única oportunidade para manifestar e satisfazer o Divino aqui na Terra. Quando a vida começa a sua jornada, a Infinidade a cumprimenta. Quando a jornada é metade cumprida, a Eternidade a cumprimenta. Quando a jornada da vida é completa, a Imortalidade a cumprimenta. A vida vive a vida de perfeição quando ela vive na espiritualidade. Quando a vida vive na espiritualidade, que é o alento de Deus, ela fica muita acima do chamado da moralidade e das exigências do dever.

Deus diz à vida humana: “Levante, acorde, aspire! A meta é sua.” A vida humana diz a Deus: “Espere, estou descansando. Estou dormindo. Estou sonhando.” De repente, a vida fica envergonhada da sua conduta. Chorando, ela diz: “Pai, estou indo.” Soluçando, ela diz: “Pai, estou chegando.” Sorrindo, ela diz: “Pai, cheguei.”

A vida – o problema – pode ser solucionada pela alma – a solução. Mas, para isso, é necessário estar interiormente desperto.

Aquele que vive a vida interior sabe que a morte é apenas um quarto para descanso. Para ele, a morte é qualquer coisa, menos extinção. É uma despedida significativa. Quando nossa consciência é divinamente transformada, a necessidade da morte não surge. Para transformar a vida, necessitamos de Paz, Luz, Deleite e Poder. Nós clamamos por essas qualidades divinas. Elas clamam pela nossa aspiração, igualmente ansiosas para nos conceder a vida inesgotável. Mas, até que nosso corpo, vital, mente, coração e alma aspirem juntos, o poder, luz, deleite e paz divinos não poderão nos possuir.

O corpo tem morte, mas não a alma. O corpo dorme; a alma voa. Relembremos as palavras alma-comoventes deste capítudo do Gita sobre a morte e a alma. “Assim como um homem descarta roupas velhas em troca de novas, também o habitante do corpo, a alma, deixando para trás os corpos desgastados, entra em novos corpos. A alma migra de um corpo ao outro. Armas não podem parti-la, o fogo não pode consumi-la, a água não pode encharcá-la e nem o vento secá-la.” (2.22-23) Isso é a alma e isso é o que se diz da existência da alma. Seria-nos bom conselho observar a existência da morte, se é que há alguma, nas densas palavras de Sri Aurobindo, o fundador do Yoga Integral. “A morte,” ele exclama, “não possui existência própria. Ela é resultado do princípio do decaimento no corpo, e esse princípio é latente – ele é parte da natureza física. Ao mesmo tempo, ela não é inevitável. Se alguém tem a consciência e força necessárias, decaimento e morte não são inevitáveis.”*

* Sri Aurobindo, Letters on Yoga, vol. 3, Pondicherry, 1971, p. 1230.

Aquilo a que chamamos de morte nada é senão ignorância. Podemos solucionar o problema da morte apenas quando sabemos o que é a vida. A vida é eterna. Ela existiu antes do nascimento e ela existirá após a morte. A vida também existe entre o nascimento e a morte. Ela está além do nascimento e morte. A vida é infinita. A vida é imortal. Um buscador da Verdade infinita não assina a declaração de Schopenhauer: “Desejar imortalidade é desejar a perpetuação de um grande engano.” Não há sombra de dúvida de que é o buscador incessante dentro do homem quem é a vida da Imortalidade, pois sua própria existência indica a Visão do Supremo, que ilumina o universo, e a Realidade do Supremo, que preenche a criação.

Arjuna, o discípulo, aprende também o seguinte: “Cumpra o seu dever. Não vacile. Não tenha um coração fraco. Você é um kshatriya. Não pode haver um convite melhor para um ksatriya do que uma guerra justa.” (2.31)

O dever de um ksatriya (guerreiro) nunca será o dever de um asceta. Um asceta não deve realizar o dever de um kshatriya. O kshatriya, igualmente, não deve seguir o caminho do mundo-renunciante. A imitação não é para o buscador. Aprendemos com Emerson que “imitação é suicídio.”

O dever de um guerreiro é lutar, lutar pelo estabelecimento da verdade. “Na vitória, o mundo inteiro será seu; na morte, as portas do paraíso o receberão.” (2.37)

Sri Krishna desvelou o caminho de sankhya (conhecimento) para Arjuna: “Arjuna, encare a vitória e a derrota, alegria e tristeza, ganho e perda como iguais. Não se importe com elas. Apenas lute! Lutando assim, não cometerá pecado algum.” (2.38)

O Professor revelou o caminho do conhecimento (sankhya). Agora, ele quer ensinar ao aluno o caminho da ação (karma yoga). Arjuna, surpreendentemente, aprendeu que esse caminho, o caminho da ação, o segundo caminho, é frutífero e lhe trará libertação. A sublime verdade é que “a ação é o seu dever nato, e não o resultado e nem os frutos da ação. Que os frutos não sejam o seu objeto, e que você não seja apegado à inação. Seja ativo e dinâmico, e não procure qualquer recompensa.” (2.47) Podemos simultaneamente atiçar a chama da nossa consciência com a sabedoria do Isha Upanishad: “A ação não se prende ao homem.” (Ishopanishad 2)

Já usamos o termo ‘yoga’. O que é yoga? “Equanimidade,” diz Sri Krishna, “é yoga.” (2.48) Ele também diz: “Yoga é sabedoria habilidosa em ação.” (2.50)

O progresso interior de Arjuna é notável. Ele agora sente a necessidade de se libertar da vida-desejo. Sri Krishna lhe ensina como se desapegar totalmente da vida-limitação dos sentidos, assim como uma tartaruga recolhe todas as suas patas para dentro do casco. A retração-dos-sentidos ou a retração dos objetos sensuais, no entanto, não indica o final da jornada do homem. “A mera retração não consegue por um fim ao nascimento do desejo. O desejo desaparece apenas quando o Supremo aparece. Em Sua Presença, a vida-desejo perde a existência. Não antes.” (2.59)

Este segundo capítulo lança considerável luz sobre sankhya (conhecimento) e yoga (ação). Sankhya e yoga nunca estão em oposição. Um é conhecimento meditativo desapegado, e o outro é ação dedicada e altruísta. A vida de prazer animal deve abandonar seu alento vivente e ardente na toda-preenchedora vida do Deleite divino.

O Katha Upanishad declara os degraus da escada sempre-ascendente.

 

Mais elevados do que os sentidos são os objetos dos sentidos;

Mais elevada do que os objetos dos sentidos é a mente;

Mais elevado do que a mente é o intelecto;

Mais elevado do que o intelecto é o Eu;

Mais elevado do que o Eu é o Imanifesto,

Mais elevado do que o Imanifesto é o Supremo personificado,

E o Supremo é o Altíssimo, a Meta Derradeira.

(Kathopanishad 1.3.10-11)

 

Já vimos o que acontece quando nos elevamos. Agora vejamos o que acontece quando vivenciamos os objetos-sentidos. O Gita nos diz: “Viver nos objetos-sentidos dá a luz ao apego, e o apego dá a luz ao desejo. O desejo (insatisfeito) traz ao mundo a vida de raiva. Da raiva, surge a desilusão, e da desilusão, a confusão da memória. Na confusão da memória, a sabedoria racional é perdida. Quando a sabedoria não é vista, o que há é destruição – dentro, fora, abaixo e acima.” (2.62-63)

A dança da destruição acabou. Ansiemos pela salvação. Apenas o aspirante disciplinado, auto-controlado, será abençoado pela enxurrada de paz. Por fim, o aspirante será abraçado pela salvação, a iluminação interior.