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Religião, espiritualidade e yoga

Por Sri Chinmoy, do livro Meditação, Yoga e a Arte de Viver: a Aventura da Vida

 

A partir do Yoga, a espiritualidade começou a existir e, a partir da espiritualidade, a religião passou a existir. A partir da religião, a filosofia passou a existir. A filosofia nos lembra de que este não é o único mundo, que há muitos mundos superiores e também interiores, e nos indica entrar nesses mundos.

 

O sentimento de um coração-unicidade

A essência de toda religião é o amor por Deus. Não há sequer uma religião que não nos diz para amar Deus. O problema começa com os seguidores da religião. Muitas vezes eles dizem “A minha religião é a melhor de todas, e a sua religião é muito ruim.” Os seguidores das diferentes religiões são como filhos numa mesma família. Todas têm os mesmos pais e recebem o mesmo afeto, amor e compaixão dos pais. Apesar disso, as crianças ainda brigam e disputam. Se uma irmã acha que a outra é mais bela, ela fica com inveja e briga com a sua irmã. Se um irmão vê que o outro é mais forte, imediatamente o irmão mais fraco fala mal do irmão mais forte. Numa família, um irmão dirá “Eu sei mais do que todos!”, e o outro dirá “Não, eu entendo mais que você!” Igualmente, cada religião dirá às suas religiões irmãs e irmãos “Eu sei mais sobre o Pai do Céu do que vocês.” Ou então “A minha maneira de amar a Deus é a única forma correta, e a sua maneira está errada.” Frequentemente há disputas e lutas entre as diversas religiões.

Mas onde todas as religiões concordam é em amar a Deus. Se realmente amamos uma pessoa, sentimos a nossa unicidade com ela. Portanto, se realmente amamos Deus e sentimos nossa unicidade com Deus, também sentiremos a nossa unicidade com a criação de Deus. Nos mais profundos recônditos do nosso coração, sabemos que somos todos um, mas o orgulho aparece, e dizemos aos outros, “Não preciso de você.” Mas nós precisamos, sim, uns dos outros. Somos partes da mesma realidade-existência. Uma árvore é composta de tronco, galhos, folhas, flores e frutos. Se o tronco disser que não precisará mais dos galhos e folhas, que tipo de árvore ela se tornará? E se as flores disserem que não precisam dos galhos e do tronco, como viverão? É necessário estabelecer uma unidade.

Quando entramos num jardim, imediatamente nos tornamos cientes da beleza, pureza e fragrância do jardim. Cada flor tem a sua própria beleza, mas a beleza que sentimos no jardim é a beleza da multiplicidade. Essa é a beleza que nos traz uma imensa alegria. Igualmente, Deus sente uma imensa alegria com a multiplicidade dos corações-flor de todos os Seus filhos.

Na religião, é o sentimento de coração-unicidade que deve prevalecer, e nada mais. Religião não é uma questão de razão. Se vivemos no nosso coração-unicidade, sentiremos a essência de todas as religiões, que é o amor a Deus. Contudo, vivendo na mente, apenas tentaremos diferenciar uma religião da outra e ver como suas ideologias diferem. O coração é quem é capaz de ter um verdadeiro entendimento intuitivo da amplitude e alcance de todas as religiões. O coração vê e sente a harmonia interior e a unicidade de todas as religiões.

Uma religião verdadeira tem uma qualidade universal. Ela não vai contra as outras religiões. As religiões falsas verão erros nas outras religiões. Elas dirão que a sua religião é a única religião válida, e que o seu profeta é o único salvador. Mas uma religião verdadeira sentirá que todos os profetas são salvadores da humanidade. Perdão, compaixão, tolerância, fraternidade e o sentimento de unicidade são os sinais de uma religião verdadeira.

 

Pergunta: Você acredita que todas as religiões levam à mesma verdade, ainda que tomando estradas diferentes?

Sri Chinmoy: Sim, absolutamente. Concordo plenamente que todas as religiões levam a uma verdade, a Verdade Absoluta. Existe uma Verdade. Existe apenas uma Meta, mas há vários caminhos. Cada religião está certa da sua própria maneira. Contudo, se uma religião diz que ela é a única religião, ou que é a melhor de todas, acharei difícil concordar com essa religião. Se uma religião diz: “A minha religião é verdadeira. A sua religião é igualmente verdadeira,” então concordarei plenamente. Mas, se eu disser que o nosso hinduísmo é a melhor de todas, e que o seu cristianismo não é nada comparado com o hinduísmo, serei o maior dos tolos neste mundo. Se eu disser “Se você aceitar a minha religião, eu o levarei até a Meta mais rapidamente,” e tentar convertê-lo à minha religião, estarei mais uma vez cometendo um erro gigantesco.

Cada religião está certa. A religião é uma casa. Eu tenho de viver na minha casa. Você tem de viver na sua. Eu não posso ficar na rua, e nem você pode. Mas chega o dia em que ampliamos a nossa visão. Sentimos que além dos limites dos ritos e rituais da religião jaz uma Meta mais elevada. Então, o que fazemos? Tentamos aperfeiçoar a imperfeição que há na religião. O resultado é que imediatamente entramos em conflito com os fanáticos. Ou descobrimos que não conseguimos mudar as regras e cânones da religião, e ficamos tristes. Contudo, ao viver uma vida espiritual, a vida interior, não conflitamos com qualquer religião. Aqueles que desejam seguir uma religião devem fazê-lo. Mas aqueles que desejam uma Meta ainda mais elevada, Yoga, a união consciente e constante com Deus, devem seguir o caminho do Yoga. Então, através da nossa unicidade com Deus, diremos que o mundo inteiro é nosso. Cada ser humano é nosso irmão ou irmã. Quando você mergulha no campo do Yoga e quer realizar a Verdade altíssima, a Verdade absolutamente altíssima, posso dizer que estará acima da sua religião. Isso quer dizer que se não quiser seguir a sua religião ou qualquer outra religião, estará livre para fazê-lo, pois você está clamando pelo Altíssimo de uma forma especial. A despeito das respectivas imperfeições, a sua religião e a minha religião buscam a mesma Meta. Agora você sente que possui um tremendo anseio interior para alcançar o Altíssimo sem se envolver com as ditas imperfeições da sua religião, da minha ou das outras. Naturalmente, você tentará alcançar a sua Meta sem nos perturbar, sem perturbar os outros e, ao mesmo tempo, você mesmo não será perturbado.

 

Pergunta: Você é parte de um corpo religioso organizado, seita ou culto, ou você é apenas você mesmo?

Sri Chinmoy: Eu não pertenço a seita ou religião alguma. Ao mesmo tempo, os meus ensinamentos incorporam a quintessência de todas as religiões. Eu nasci numa família hinduísta; portanto, conheço os detalhes da religião hinduísta. Mas eu não pratico o hinduísmo. Não sigo nenhuma religião específica. A minha religião é amar a Deus e se tornar um humilde instrumento de Deus. A religião hinduísta é como uma casa; o cristianismo é outra casa; o judaísmo, outra casa. Podemos viver em diferentes casas, mas frequentaremos uma mesma escola para estudar. Espiritualidade, Yoga, é o que afinal precisamos estudar.

 

iPergunta: Há alguma diferença entre uma religião e outra? O Yoga exige abdicar de toda religião?

Sri Chinmoy: Não há diferença fundamental entre uma religião e outra, pois cada religião incorpora a Verdade última. Assim, o Yoga não interfere com qualquer religião. Qualquer um pode praticar Yoga. Tenho discípulos que são católicos, protestantes, judeus, etc. Pode-se praticar Yoga independentemente da sua religião. Se alguém conhece o hinduísmo, por exemplo, ele poderá ter medo de aceitar o catolicismo, e vice-versa. Mas o aspirante verdadeiro que mergulhou na espiritualidade e Yoga não verá dificuldade em permanecer na sua própria religião. Digo aos meus discípulos que não devem abandonar suas religiões. Permanecendo nas suas religiões e praticando a vida e disciplina espirituais eles serão capazes de ir mais rápido, pois suas religiões lhe darão segurança constante no que estão fazendo e confirmarão o que praticam de verdade nas suas vidas. Por isso eu sempre digo aos meus alunos que devem manter suas religiões, pois o Yoga não exige a renúncia de qualquer religião.

 

Estamos dentro do Coração de Deus

A religião não é obstáculo para a vida espiritual. O Yoga, ou disciplina espiritual, nunca estará contra qualquer religião. Yoga quer dizer união com Deus, união consciente com Deus. Eu posso orar a Deus da minha própria maneira; você pode orar a Deus do seu próprio modo. Deus fica satisfeito com ambos. Isso é religião. Então, quando realizamos Deus, nos tornamos um com a Sua criação, com o Seu universo. Sentimos que estamos dentro do Coração de Deus. Quando realizo Deus, sinto-me dentro do Coração de Deus. E você fará o mesmo.

Por isso não devemos criticar qualquer religião. Quando é uma questão de Yoga, saibamos que o Yoga transcende toda religião. É como se não quiséssemos ficar satisfeitos com apenas com a minha casa ou a sua casa. Queremos considerar todas as casas do mundo como nossas, pois Deus está dentro de todas elas. No Yoga, todas as religiões se tornam nossas, pois Yoga significa união com Deus. Quando temos essa união, transcendemos nossos sentimentos limitados de ‘eu’ e ‘meu’, a minha religião, a sua religião. É nessa hora que vamos além dos limites da religião.

Todas as religiões são verdadeiras. Mas, quando entramos para a vida espiritual, vamos um passo além da religião. Então Deus passa a ser o nosso único objetivo, a nossa meta. Quando entramos Nele, adentramos a Consciência infinita. Se oramos e meditamos, aceitamos todas as religiões do mundo como parte de nós e as colocamos no justo Coração de Deus.

Religião é a casa, espiritualidade é a sala de estar e Yoga é a sala de oração e meditação. A casa é bela, a sala de estar é útil e a sala de oração e meditação é frutífera.