Espiritualidade não é mera tolerância. Ela não é nem mesmo aceitação. É o sentimento de unicidade universal. Na nossa vida espiritual, buscamos enxergar o Divino, não apenas nos termos do nosso próprio Deus, mas como o Deus de todos. Nossa vida espiritual estabelece firme e seguramente a fundação da unidade na diversidade.
Espiritualidade não é mera hospitalidade à fé dos outros em Deus. Ela é o absoluto reconhecimento e aceitação da fé que eles têm em Deus como sua própria. É difícil, mas não impossível, pois tal foi a experiência e prática de todos os Mestres espirituais de todos os tempos.
Ouça a alma
A vida espiritual é a vida da alma. Devemos nos tornar conscientemente um com nossa alma. Apenas quando sentimos nossa unicidade com a alma que a verdadeira satisfação pode despertar nas nossas vidas. Nunca ficaremos verdadeiramente satisfeitos com a nossa própria satisfação exterior. Poderemos ser permanentemente felizes apenas quando satisfizermos Deus da Maneira própria de Deus. Deus é a nossa Realidade mais elevada. Quanto mais escutamos a alma dentro de nós, mais nos tornamos a Realidade altíssima dentro de nós. Apenas assim poderemos ser eternamente satisfeitos.
Pergunta: Há desarmonia entre os meus pais e eu porque o meu pai é ateu.
Sri Chinmoy: Qual é o problema em ser ateu? Você acredita no Amor de Deus, e ele acredita em outra coisa. Não há ninguém na Terra que não acredite em nada. Ele acreditará na comida, no corpo, numa flor, no futebol ou na ciência. Ele tem de acreditar em algo que tenha visto, ou então acreditará no nada. Diga ao seu pai, “Você é ateu, mas acredita em algo.”
Você acredita em Deus; o seu pai acredita em outra coisa. Mesmo o nada é uma realidade. A filosofia indiana diz ‘neti, neti’ – ‘nem isso e nem aquilo.’ Esse nada também vem da mente e do coração. Você poderia dizer ao seu pai que ele pode ter fé nesse nada, e ele enxergará o seu Deus no nada. Você pode dizer: “Eu digo ‘tudo’. Você tem o seu ‘nada’. Por fim, você verá que dentro do meu tudo estará o seu nada, e que dentro do seu nada está o meu tudo.”
Se quiser que eu defina a espiritualidade, eu a definiria com apenas uma palavra: satisfação. A espiritualidade é nada mais e nada menos do que satisfação.
Dentro do finito Deus manifesta a Sua Infinidade. Hoje, uma gota de luz é tudo para nós. Mas, quando subirmos alto, a própria Infinidade não bastará, pois Deus nos concedeu uma sede infinita. Estamos falando da realização suprema. Hoje o seu pai não compreende sobre o que estamos falando, mas um dia ele entenderá, pois ele mesmo realizará essa própria coisa que é a realização.
Portanto, não se preocupe com o seu pai. Apenas diga que ele deve ter fé no que ele tem e acredita. Mantendo a própria fé, os seus problemas serão solucionados. Encoraje-o a encontrar satisfação naquilo que acredita ser verdade na vida dele. Contudo, se não estiver satisfeito, poderá então dizer: “Você não está encontrando satisfação nas suas crenças, mas eu estou encontrando nas minhas, então porque diz que estou errado? Porque não experimenta o meu caminho?”
A diferença entre o coração e a mente é esta: o coração quer dar; a mente odeia perder.
A partir do Yoga, a espiritualidade começou a existir e, a partir da espiritualidade, a religião passou a existir. A partir da religião, a filosofia passou a existir. A filosofia nos lembra de que este não é o único mundo, que há muitos mundos superiores e também interiores, e nos indica entrar nesses mundos.
O sentimento de um coração-unicidade
A essência de toda religião é o amor por Deus. Não há sequer uma religião que não nos diz para amar Deus. O problema começa com os seguidores da religião. Muitas vezes eles dizem “A minha religião é a melhor de todas, e a sua religião é muito ruim.” Os seguidores das diferentes religiões são como filhos numa mesma família. Todas têm os mesmos pais e recebem o mesmo afeto, amor e compaixão dos pais. Apesar disso, as crianças ainda brigam e disputam. Se uma irmã acha que a outra é mais bela, ela fica com inveja e briga com a sua irmã. Se um irmão vê que o outro é mais forte, imediatamente o irmão mais fraco fala mal do irmão mais forte. Numa família, um irmão dirá “Eu sei mais do que todos!”, e o outro dirá “Não, eu entendo mais que você!” Igualmente, cada religião dirá às suas religiões irmãs e irmãos “Eu sei mais sobre o Pai do Céu do que vocês.” Ou então “A minha maneira de amar a Deus é a única forma correta, e a sua maneira está errada.” Frequentemente há disputas e lutas entre as diversas religiões.
Mas onde todas as religiões concordam é em amar a Deus. Se realmente amamos uma pessoa, sentimos a nossa unicidade com ela. Portanto, se realmente amamos Deus e sentimos nossa unicidade com Deus, também sentiremos a nossa unicidade com a criação de Deus. Nos mais profundos recônditos do nosso coração, sabemos que somos todos um, mas o orgulho aparece, e dizemos aos outros, “Não preciso de você.” Mas nós precisamos, sim, uns dos outros. Somos partes da mesma realidade-existência. Uma árvore é composta de tronco, galhos, folhas, flores e frutos. Se o tronco disser que não precisará mais dos galhos e folhas, que tipo de árvore ela se tornará? E se as flores disserem que não precisam dos galhos e do tronco, como viverão? É necessário estabelecer uma unidade.
Quando entramos num jardim, imediatamente nos tornamos cientes da beleza, pureza e fragrância do jardim. Cada flor tem a sua própria beleza, mas a beleza que sentimos no jardim é a beleza da multiplicidade. Essa é a beleza que nos traz uma imensa alegria. Igualmente, Deus sente uma imensa alegria com a multiplicidade dos corações-flor de todos os Seus filhos.
Na religião, é o sentimento de coração-unicidade que deve prevalecer, e nada mais. Religião não é uma questão de razão. Se vivemos no nosso coração-unicidade, sentiremos a essência de todas as religiões, que é o amor a Deus. Contudo, vivendo na mente, apenas tentaremos diferenciar uma religião da outra e ver como suas ideologias diferem. O coração é quem é capaz de ter um verdadeiro entendimento intuitivo da amplitude e alcance de todas as religiões. O coração vê e sente a harmonia interior e a unicidade de todas as religiões.
Uma religião verdadeira tem uma qualidade universal. Ela não vai contra as outras religiões. As religiões falsas verão erros nas outras religiões. Elas dirão que a sua religião é a única religião válida, e que o seu profeta é o único salvador. Mas uma religião verdadeira sentirá que todos os profetas são salvadores da humanidade. Perdão, compaixão, tolerância, fraternidade e o sentimento de unicidade são os sinais de uma religião verdadeira.
Pergunta: Você acredita que todas as religiões levam à mesma verdade, ainda que tomando estradas diferentes?
Sri Chinmoy: Sim, absolutamente. Concordo plenamente que todas as religiões levam a uma verdade, a Verdade Absoluta. Existe uma Verdade. Existe apenas uma Meta, mas há vários caminhos. Cada religião está certa da sua própria maneira. Contudo, se uma religião diz que ela é a única religião, ou que é a melhor de todas, acharei difícil concordar com essa religião. Se uma religião diz: “A minha religião é verdadeira. A sua religião é igualmente verdadeira,” então concordarei plenamente. Mas, se eu disser que o nosso hinduísmo é a melhor de todas, e que o seu cristianismo não é nada comparado com o hinduísmo, serei o maior dos tolos neste mundo. Se eu disser “Se você aceitar a minha religião, eu o levarei até a Meta mais rapidamente,” e tentar convertê-lo à minha religião, estarei mais uma vez cometendo um erro gigantesco.
Cada religião está certa. A religião é uma casa. Eu tenho de viver na minha casa. Você tem de viver na sua. Eu não posso ficar na rua, e nem você pode. Mas chega o dia em que ampliamos a nossa visão. Sentimos que além dos limites dos ritos e rituais da religião jaz uma Meta mais elevada. Então, o que fazemos? Tentamos aperfeiçoar a imperfeição que há na religião. O resultado é que imediatamente entramos em conflito com os fanáticos. Ou descobrimos que não conseguimos mudar as regras e cânones da religião, e ficamos tristes. Contudo, ao viver uma vida espiritual, a vida interior, não conflitamos com qualquer religião. Aqueles que desejam seguir uma religião devem fazê-lo. Mas aqueles que desejam uma Meta ainda mais elevada, Yoga, a união consciente e constante com Deus, devem seguir o caminho do Yoga. Então, através da nossa unicidade com Deus, diremos que o mundo inteiro é nosso. Cada ser humano é nosso irmão ou irmã. Quando você mergulha no campo do Yoga e quer realizar a Verdade altíssima, a Verdade absolutamente altíssima, posso dizer que estará acima da sua religião. Isso quer dizer que se não quiser seguir a sua religião ou qualquer outra religião, estará livre para fazê-lo, pois você está clamando pelo Altíssimo de uma forma especial. A despeito das respectivas imperfeições, a sua religião e a minha religião buscam a mesma Meta. Agora você sente que possui um tremendo anseio interior para alcançar o Altíssimo sem se envolver com as ditas imperfeições da sua religião, da minha ou das outras. Naturalmente, você tentará alcançar a sua Meta sem nos perturbar, sem perturbar os outros e, ao mesmo tempo, você mesmo não será perturbado.
Pergunta: Você é parte de um corpo religioso organizado, seita ou culto, ou você é apenas você mesmo?
Sri Chinmoy: Eu não pertenço a seita ou religião alguma. Ao mesmo tempo, os meus ensinamentos incorporam a quintessência de todas as religiões. Eu nasci numa família hinduísta; portanto, conheço os detalhes da religião hinduísta. Mas eu não pratico o hinduísmo. Não sigo nenhuma religião específica. A minha religião é amar a Deus e se tornar um humilde instrumento de Deus. A religião hinduísta é como uma casa; o cristianismo é outra casa; o judaísmo, outra casa. Podemos viver em diferentes casas, mas frequentaremos uma mesma escola para estudar. Espiritualidade, Yoga, é o que afinal precisamos estudar.
iPergunta: Há alguma diferença entre uma religião e outra? O Yoga exige abdicar de toda religião?
Sri Chinmoy: Não há diferença fundamental entre uma religião e outra, pois cada religião incorpora a Verdade última. Assim, o Yoga não interfere com qualquer religião. Qualquer um pode praticar Yoga. Tenho discípulos que são católicos, protestantes, judeus, etc. Pode-se praticar Yoga independentemente da sua religião. Se alguém conhece o hinduísmo, por exemplo, ele poderá ter medo de aceitar o catolicismo, e vice-versa. Mas o aspirante verdadeiro que mergulhou na espiritualidade e Yoga não verá dificuldade em permanecer na sua própria religião. Digo aos meus discípulos que não devem abandonar suas religiões. Permanecendo nas suas religiões e praticando a vida e disciplina espirituais eles serão capazes de ir mais rápido, pois suas religiões lhe darão segurança constante no que estão fazendo e confirmarão o que praticam de verdade nas suas vidas. Por isso eu sempre digo aos meus alunos que devem manter suas religiões, pois o Yoga não exige a renúncia de qualquer religião.
Estamos dentro do Coração de Deus
A religião não é obstáculo para a vida espiritual. O Yoga, ou disciplina espiritual, nunca estará contra qualquer religião. Yoga quer dizer união com Deus, união consciente com Deus. Eu posso orar a Deus da minha própria maneira; você pode orar a Deus do seu próprio modo. Deus fica satisfeito com ambos. Isso é religião. Então, quando realizamos Deus, nos tornamos um com a Sua criação, com o Seu universo. Sentimos que estamos dentro do Coração de Deus. Quando realizo Deus, sinto-me dentro do Coração de Deus. E você fará o mesmo.
Por isso não devemos criticar qualquer religião. Quando é uma questão de Yoga, saibamos que o Yoga transcende toda religião. É como se não quiséssemos ficar satisfeitos com apenas com a minha casa ou a sua casa. Queremos considerar todas as casas do mundo como nossas, pois Deus está dentro de todas elas. No Yoga, todas as religiões se tornam nossas, pois Yoga significa união com Deus. Quando temos essa união, transcendemos nossos sentimentos limitados de ‘eu’ e ‘meu’, a minha religião, a sua religião. É nessa hora que vamos além dos limites da religião.
Todas as religiões são verdadeiras. Mas, quando entramos para a vida espiritual, vamos um passo além da religião. Então Deus passa a ser o nosso único objetivo, a nossa meta. Quando entramos Nele, adentramos a Consciência infinita. Se oramos e meditamos, aceitamos todas as religiões do mundo como parte de nós e as colocamos no justo Coração de Deus.
Religião é a casa, espiritualidade é a sala de estar e Yoga é a sala de oração e meditação. A casa é bela, a sala de estar é útil e a sala de oração e meditação é frutífera.
Um místico pode viver na terra de forma segura e firme, como um barco na água. O barco está na água, mas não é afetado pela água.
O tesouro infinito
O Yoga nos auxilia no nosso dia a dia. Na verdade, o Yoga é aquilo que pode ser o auxílio supremo na nossa vida cotidiana. Nossa vida humana está repleta de dúvida, medo e frustração. O Yoga nos auxilia a substituir o medo pela coragem invencível, a dúvida pela certeza absoluta e a frustração por realizações douradas.
Pergunta: Que resposta você daria a uma pessoa que perguntasse “Como a vida espiritual beneficiaria uma pessoa comum, uma pessoa que esteja mais preocupada em ganhar o pão e sustentar sua vida?”
Sri Chinmoy: Se a pessoa está mais preocupada em ganhar o seu pão, isso quer dizer que precisa de poder-dinheiro. Se tiver dinheiro, poderá comprar o pão. E o que nos ajuda a ganhar dinheiro? É a energia, o trabalho, a força e o esforço. Todas essas coisas vêm de dentro. Se uma pessoa tiver uma vida espiritual, ela ficará repleta de energia. A vida espiritual pode inspirar pessoas em todos os âmbitos da vida; ela pode ajudar qualquer um na Terra. A espiritualidade, no sentido estrito da palavra, existe para a realização-Deus. No entanto, se alguém não quiser ir tão longe, se quiser apenas um pouco de progresso na vida material para que se torne próspero, essa pessoa poderá utilizar a oração. A oração é uma forma de espiritualidade; a meditação também. Sua oração e meditação o ajudarão a obter mais dinheiro e se tornar mais próspero. Mas essa não é a verdadeira meta da vida espiritual. A meta da vida espiritual é obter o tesouro infinito, a infinita Luz do Supremo, que está sempre a nosso dispor. Porém, se pessoas mundanas praticarem a oração e a meditação, as coisas que desejam não serão levadas embora. Pelo contrário, elas as obterão em medida abundante.
Pergunta: Seria possível me esforçar por riqueza material na minha vida material e ainda assim manter a paz na minha vida interior?
Sri Chinmoy: Certamente. Mas saibamos de quanta riqueza material precisamos. Ela deve estar de acordo com as nossas necessidades. Se quisermos nos tornar a pessoa mais rica na Terra, poderemos orar e meditar por isso. Contudo, precisamos saber para onde essa oração estará nos levando. Se nos tornarmos os homens mais ricos do mundo através das nossas orações, ficaremos felizes? A nossa oração e meditação nos dizem apenas uma coisa: Deus é todo Alegria. Se orarmos a Deus para que faça de nós as pessoas mais ricas da Terra, Deus poderá ouvir a nossa prece. Mas a felicidade é algo completamente diferente. Neste mundo, quando Deus nos confere poder material, vemos que esse poder-dinheiro não é do que realmente necessitamos. Poder-amor, poder-unicidade é do que precisamos.
Se nos tornarmos os homens mais ricos do mundo através das nossas orações, ficaremos felizes?
Podemos até ser milionários, bilionários, mas quando vemos que as pessoas não nos amam, nossos corações se partem. Como pedintes, mendigaremos o amor dos outros. Contudo, o nosso poder material, o poder-dinheiro, não conquistará o amor dos outros. Apenas o nosso poder-amor, nosso poder-unicidade, será capaz de conquistar o seu amor. Assim, ao orarmos a Deus, que peçamos apenas uma coisa: “Seja feita a Vossa Vontade.” Se for a Vontade de Deus tornar um indivíduo a pessoa mais rica, Deus o fará. Se a Vontade de Deus for outra, então Deus agirá de forma diferente. Podemos orar a Deus por poder material, mas temos de ser sinceros à nossa causa. Queremos felicidade verdadeira na vida? Se queremos felicidade real na vida, temos de saber que o poder material pode ser um obstáculo à nossa descoberta-Deus.
Pergunta: Eu gostaria francamente de saber o que a espiritualidade da Índia fez por ela. Como é que, apesar dos seus yogis e santos, ela ainda é um país pobre e atrasado?
Sri Chinmoy: Primeiro de tudo devemos saber o que trouxe essa situação. Na Índia ancestral, a vida material não era renunciada. As pessoas aspiravam pela síntese da Matéria e do Espírito, e até certo ponto elas conseguiram alcançá-la. Mas há um abismo entre esse passado ancestral e o presente.
Em períodos subsequentes da história da Índia, os santos e visionários sentiram que a vida material e a vida espiritual nunca poderão caminhar juntas, que deveriam renunciar a vida exterior para alcançar Deus. Portanto, a vida exterior foi negligenciada. Isso levou a conquistas por estrangeiros e muitos outros problemas. Mesmo hoje, a postura de que a prosperidade e beleza materiais devem ser negadas é muito comum na Índia. Isso explica muito da sua pobreza continuada.
Mas hoje em dia há gigantes espirituais na Índia que sentem que Deus deve ser realizado na Sua totalidade, que o Criador e a criação são inseparáveis. Eles advogam a aceitação da vida, a necessidade verdadeira de progresso e perfeição em todas as esferas da existência humana. Essa nova abordagem é amplamente aceita na Índia moderna.
A Índia pode estar empobrecida hoje, mas ela progredirá rapidamente através da sua nova percepção e nova aspiração. Ela não apenas tem a magnanimidade do coração, como também o poder de trazer a força da sua alma à tona e utilizá-la para resolver todos os seus problemas.
Pergunta: Muitas pessoas acordam de manhã, engolem um café da manhã rápido e saem de casa correndo para o metrô, para trabalhar e ficar completamente envolvidas na sobrevivência no dia a dia. Antes do fim do dia é bem difícil sentar-se e ter uma abordagem espiritual do que acontece, pois é preciso estar lá fora, correndo. É preciso ter um emprego. Há alguma maneira de integrar a vida espiritual com a parte econômica?
Sri Chinmoy: A nossa filosofia é a filosofia da sabedoria: primeiro o mais importante. A maior parte dos seres humanos não tem paz, paz de espírito. Eles entram na correria do dia a dia pela manhã e, durante o dia, não sentem uma gota de paz. Mas nós sentimos que, se fizermos primeiro as coisas mais importantes, estaremos sendo sábios. De manhã cedo, se orarmos a Deus por ao menos alguns minutos, estaremos fazendo a coisa mais importante primeiro.
Agora sentimos que é o poder-dinheiro, a riqueza material, aquilo que nos trará satisfação. Mas não é o poder material, mas sim o poder interior, o poder espiritual que nos trará verdadeira satisfação. Se Deus, o Pai Todo Poderoso, estiver satisfeito conosco, Ele nos dará paz de espírito. Uma vez que tenhamos paz de espírito, não importa onde formos e que atividades façamos, teremos um sentimento de satisfação. Hoje a satisfação está muito distante. Mas se orarmos a Deus de manhã cedo, teremos um pouco de paz de espírito. Essa paz de espírito é certamente satisfação verdadeira na vida.
A jornada do desejo até a aspiração
Muitas vezes sentimos no dia a dia que o desejo é uma coisa e que Deus é outra. O desejo, dizemos, é ruim na vida espiritual, pois quando desejamos algo, sentimos que aquilo que queremos é o próprio objeto. É verdade que apenas através da aspiração é que podemos realizar Deus, mas Deus reside no nosso desejo assim como na nossa aspiração. Quando percebemos que o desejo também existe em Deus, essa é a nossa primeira iluminação.
Nossa jornada terrena começa com o desejo. Na vida comum, não conseguimos viver sem ele. Mas se sentimos que não estamos prontos para a vida espiritual porque temos muitos desejos, então nunca estaremos prontos para a vida espiritual. Temos de começar nossa jornada espiritual aqui e agora, enquanto ainda trilhamos o caminho do desejo.
Observemos o caminho do desejo como um objeto e sintamos o Alento de Deus dentro dele. Lenta e infalivelmente, o Alento de Deus surgirá e transformará o nosso desejo em aspiração. Se fizermos isso com a aspiração também, sentiremos que a nossa aspiração e a existência terrena nunca poderão ser separados.
Há dois tipos de homem na Terra que não possuem desejos: aqueles que têm almas libertas e aqueles que têm almas inertes, sem vida, enfadonhas. As almas libertas se libertaram do apego, limitações e imperfeições. Eles vivem livres da ignorância e se tornaram um com suas almas na iluminação transcendental. Todavia, alguns seres humanos não querem nada da vida. Eles somente chafurdam nos prazeres da inércia e letargia, sem aspiração para qualquer coisa. Eles nunca, nunca terão iluminação.
Você precisa começar
Certa vez, um jovem perguntou ao grande herói espiritual Swami Vivekananda como ele poderia realizar Deus. Vivekananda respondeu: “De agora em diante, comece a contar mentiras.” O jovem disse: “Você quer que eu conte mentiras? Como poderei realizar Deus? É contra os princípios espirituais.” Mas Vivekananda disse: “Eu sei mais do que você. Compreendo em que nível você está. Você não mexe uma palha; é um inútil, praticamente morto para a vida comum, tanto mais para a vida espiritual. Se começar a contar mentiras, as pessoas irão atacá-lo, e você terá de exercer a sua própria personalidade. Primeiro você precisa desenvolver a sua própria individualidade e personalidade. Chegará então o dia em que terá de entregar a sua individualidade e personalidade à Sabedoria divina, à Luz e ao Deleite infinitos. Mas primeiro você deve começar a sua jornada.”
Há algumas pessoas desequilibradas que sentem que realizarão Deus caminhando pelas ruas como vadios ou torturando seus corpos e permanecendo fracos. Eles encaram a fraqueza física como um precursor da realização-Deus. O grande Senhor Buddha tentou o caminho da mortificação, mas chegou à conclusão de que o caminho médio sem extremos é o melhor. Temos de ser normais; é preciso ser saudável no dia a dia. A aspiração não é algo sem relação com o nosso corpo físico. A aspiração do nosso coração e o nosso corpo físico caminham juntos. A aspiração física e a aspiração psíquica podem e devem correr juntas.
Desejo é ansiedade. Essa ansiedade encontra satisfação apenas ao se firmar num apego sólido. Aspiração é serenidade. Essa serenidade encontra satisfação apenas quando é capaz de se expressar através do desapego onisciente e tudo-amoroso.
“Aquilo que a imaginação captura como Beleza deve ser a verdade”. Assim escreveu o poeta romântico John Keats, nascido em 1795 e que viveu apenas 25 anos. O livro que li abriga toda a sua poesia, desde os trabalhos iniciais, incluindo as Odes e duas versões do Hyperion, incompleto. Além, é claro, da famosa obra Endymion, que começa com sua mais famosa frase: “A beleza é uma alegria eterna.” A beleza é provavelmente o tema mais recorrente na obra, algo com que eu mesmo me identifico muito – a palavra Beleza, Beauty, me encanta imensamente. Outro aspecto que me encanta muito é o lirismo acentuado das suas obras. Keats é reconhecido como um dos maiores poetas ingleses. Suas obras, em beleza e lirismo nos inspiram a pensar no Divino.
Abaixo dois poemas traduzidos por mim:
A Morte
1.
Pode a morte ser sono, quando a vida é um sonho,
E cenas de deleite são fantasmas vagando?
Prazeres transientes parecem visões,
E ainda pensamos que a maior dor é morrer
2.
Quão estranho é que o homem na terra vague
E tenha uma vida de sofrimento, mas não desista
Do seu caminho irregular; nem ouse enxergar sozinho
Sua perdição futura que é simplesmente acordar.
Soneto
Esta história agradável é como um pequeno bosque:
As linhas adocicadas vividamente se entrelaçam
Que o leitor em tal doce lugar alçam,
Que aqui e ali o coração cheio pára;
E por vezes sente as gotas orvalhadas
Frescas e súbitas sobre o seu rosto,
E na melodia que vaga podem tracejar
Por onde as pernas delgadas do pintarroxo saltitam
Oh, que poder tem a alva simplicidade!
Que grandioso poder tem esta gentil história!
Eu que para sempre anseio por glória
Poderia por agora contentar em deixar
Gentilmente sobre a grama, tal como as lágrimas em arrocho
Dos que ouviram nada senão os solenes pintarroxos.
Emerson foi um escritor fundamentalmente espiritual, tendo sido pastor da igreja, mas tendo deixado o ministério por não se sentir livre o suficiente e ser criticado dentro da igreja. Cultivou a amizade de muitos filósofos e poetas americanos, notavelmente Thoreau.
Abaixo, um dos seus poemas sobre a natureza, que, naturalmente, voltam os nossos pensamentos ao Divino. Escolhi e traduzi esse poema da obra Poems and Essays of Ralph Waldo Emerson.
Rhodora
Onde está a flor?
Em maio, quando a brisa do oceano atravessa a nossa solidão
Encontro a fresca Rhodora nos bosques,
Suas florescências sem folhas espalham-se num cantinho úmido,
Agradando o deserto e o lento riacho.
Pétalas púrpuras caídas na poça
Tornam suas águas negras com sua beleza alegres;
O vermelho pássaro aqui poderia suas plumas refrescar,
E cortejar a flor que faz humilde sua plumagem.
Rhodora! Se os sábios te perguntassem porque
Esse charme se desperdiça no céu e terra,
Diga-lhes, querida, que se os olhos foram feitos para enxergar,
Então a Beleza é a própria desculpa da sua existência:
Fiz a leitura no original do livro Poemas em inglês de John Milton (The English Poems of John Milton). Milton possui um toque místico na sua poesia, e certamente religioso.
Não é a toa que, ao escrever o seu épico (era comum que todos os principais poetas da sua época, e inclusive até o século XIX, escrevessem épicos para ter seu reconhecimento completo como poetas,) John Milton escreveu falar sobre temas espirituais. Suas obras mais famosas são “O Paraíso Perdido” e “O Paraíso Reconquistado”.
Em O Paraíso Perdido, uma boa parte das longas 150 páginas de poesia é dedicada a uma Gênese bíblica, descrevendo a criação do mundo até o homem, Adão e Eva. Uma parte interessante é a descrição dos arcanjos, Rafael e Gabriel, dessa criação ao próprio Adão, incluindo como os anjos caídos Uriel e Satanás e seus exércitos infernais tentaram ocupar o Paraíso, lar original de Adão, mas foram repelidos em batalha sangrenta pelos anjos ainda fiéis. Em seguida, Satanás planeja a expulsão de Adão e Eva do Paraíso, para que ele possa lá habitar, e o faz convencendo Eva a comer o fruto proibido e oferece-lo a Adão, e Adão decide compartilhar. Eles são então enviados ao mundo material, onde mais tarde ocorre o dilúvio e demais atos.
A obra Paraíso Reconquistado é bem menor, com cerca de 50 páginas, mas muito mais espiritual. Ela descreve o período de 40 dias que o Cristo passou em jejum no deserto, e as tentações que Satanás trouxe, tentando fazer com que Jesus Cristo desistisse do seu propósito espiritual e seguisse uma vida mundana de rei soberano. Satanás estava confiante, pois conseguiu fazer Adão e Eva caírem, mas é desnecessário dizer que o Cristo não se abalou por sequer um momento. Abaixo, algumas linhas traduzidas por mim:
Paraíso Reconquistado
…E se com repugna rejeitar
Riqueza e reino? E mesmo uma coroa,
Dourada brilhante, é mais uma guirlanda de espinhos,
Trazendo perigos, preocupações, deveres e noites insones
Àquele que enverga o diadema real
E o pesar dos homens sob seus ombros repousam;
Pois tal é o ofício do rei,
Sua honra, virtude, mérito e lisonja,
Por isso todo esse peso ele sustenta.
Mas aquele que reina dentro de si próprio e governa
Paixões, desejos, temores – ele é mais rei –
Tal governo é o que todo sábio e virtuoso homem alcança.
A vida espiritual precisa ser um torrencial de altos e baixos? Se quisermos que nossa jornada espiritual seja como um sonho dourado é preciso saber viver, e isso depende exclusivamente de cada um. Os nossos pensamentos e escolhas possuem papel fundamental.
Onde está a chave para o equilíbrio? Como saber viver?
As respostas cada um encontrarão dentro de si mesmos seja através da meditação ou oração. Abaixo, alguns poemas de Sri Chinmoy que nos faz refletir um pouco sobre o tema:
Como viver num mundo como este?
Como viver num mundo como este?
Como? Apenas sorria
Eis que o tigre-desconfiança-mundo está morto.
Como viver num mundo como este?
Como? Apenas sorria
Eis que o elefante-cegueira-mundo está morto.
Como viver num mundo como este?
Como? Apenas sorria Eis que o leão-autocracia-mundo está morto.
Como viver num mundo como este?
Seu tolo! Você não sabe que você é
A própria raiz do mundo-misérias,
Das calamidades mundiais,
Dos fracassos mundiais?
Sri Chinmoy, The Wings of Light, part 3 – Agni Press, 1974
Uma meditação verdadeira
Nos ensina como viver
Sem qualquer expectativa
Abaixo uma forma simples de usar a meditação para largar maus hábitos, por Sri Chinmoy, do livro “The Adventure of Life.”
Pergunta: Existe uma maneira espiritual de deixar maus hábitos?
Sri Chinmoy: Certamente há. Antes de fazer qualquer coisa, medite por um minuto, ou pelo menos por alguns segundos. O poder dessa meditação entrará no mau hábito como uma flecha. A meditação – o soldado – usará suas flechas divinas contra os maus hábitos. Essa é absolutamente a melhor forma.
Abaixo uma resposta muito interessante a uma pergunta feita a Sri Chinmoy sobre com que idade podemos ensinar nossos filhos a meditar. Veja também a página sobre meditação para crianças.
Pergunta: Com que idade podemos começar a ensinar uma criança a meditar?
Sri Chinmoy: A qualquer hora, até mesmo com seis meses de idade. Talvez a criança não consiga falar um palavra, mas, se você for cristão, poderá mostrá-la uma imagem do Cristo ou de algo belo. Deus Se expressa através da beleza. Uma criança consegue apreciar a beleza de uma flor. A própria flor será Deus para ela. Quando a criança puder falar, ensine-a a dizer “Deus” algumas vezes como uma oração. Enquanto avançar nos anos, você poderá ensiná-la meditações maiores. Nós damos às nossas crianças a única liberdade verdadeira quando oferecemos a elas a verdade, a realidade. Verdadeira liberdade não é ficar por aí ou bater em alguém. Verdadeira liberdade não é fazermos o que quisermos. Verdadeira liberdade é fazer tudo da forma que Deus quer que façamos. Tal é a nossa liberdade. Deus é todo-Luz, todo-Liberdade e, se Lhe ouvirmos, apenas então teremos liberdade.