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Espiritualidade e sociedade

Por Sri Chinmoy, do livro Meditação, Yoga e a Arte de Viver: a Aventura da Vida

 

Quando o poder do amor

Substituir o amor pelo poder,

O homem terá um novo nome:

Deus.

 

 

A situação mundial

O meu sentimento interior é que o mundo está progredindo. Eu não encorajo ideias e pensamentos pessimistas. Deus está inspirando o mundo, a Sua Criação. Ele não está destinado a fracassar – longe disso. Ele observa a Sua Criação e vê que ela precisa de encorajamento, inspiração e orientação. Quando criamos alguma coisa, tentamos torná-la melhor e mais iluminadora e satisfatória. Deus fez a Sua Criação, e agora Ele tenta torná-la mais bela, mais frutífera. O mundo está progredindo. Estamos todos tentando nos tornar melhores instrumentos de Deus.

 

Pergunta: Há muitas pessoas que sugerem que a situação do mundo está bem tensa ultimamente.

Sri Chinmoy: Ouvimos essa história desde o início dos tempos! Se ler qualquer livro de história, verá que mesmo quatrocentos anos atrás diziam que o mundo iria acabar e que as pessoas não eram boas. Você pode voltar até a época dos Vedas. Todos, desde o início da Criação, dirão que o mundo não é divino. Tudo bem, não é divino, mas o fato é que estamos usando os termos ‘divino’ e ‘perfeito’. Isso quer dizer que temos um anseio interior por nos tornarmos perfeitos. Quando a própria ideia da bondade entra em nossa mente, isso quer dizer que queremos nos tornar bons.

Nossa filosofia é seguir em frente. Uma vez que um corredor velocista dispara dos blocos de largada, ele não volta. Ele tem de seguir em frente até alcançar o objetivo.

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A perfeição individual é de importância fundamental. O mundo nunca será perfeito a não ser e até que cada indivíduo no mundo tenha se tornado perfeito. Não podemos esperar que o mundo inteiro se tornasse perfeito da noite para o dia. Contudo, se pudermos alcançar a perfeição interior individual, a perfeição exterior do mundo aumentará gradualmente. Primeiro temos de resolver nossos próprios problemas – isso é, temos de alcançar a nossa própria iluminação. Se tivermos iluminação, apenas então poderemos espalhá-la. Mas, se dissermos, “Oh, o mundo é tão vasto; que diferença fará a iluminação de um indivíduo?”, estaremos cometendo um engano. Uma pessoa se iluminará hoje, duas amanhã e assim por diante. Lenta, certa e gradualmente tentamos manifestar a divindade que há no nosso interior. Do que precisamos é paciência infinita. Tenhamos tal paciência, a qual é a luz da nossa sempre expansiva consciência.

 

Pergunta: Devemos nos preocupar com o mundo se ele estiver descendo e nós estivermos tentando subir?

Sri Chinmoy: Para erguer alguém, você precisa estar um centímetro acima da pessoa. Se você sente que está seguro, então erga o mundo. Se não estiver seguro e tentar erguer alguém, a pessoa o puxará para baixo.

 

Pergunta: Como é que a força espiritual é tão forte, e ainda assim o mundo parece ser um lugar tão desastroso?

Sri Chinmoy: A força espiritual é forte, mas quantas pessoas a estão aceitando? Quantas pessoas a desejam? Dentre todos os milhões de pessoas aqui em Nova Iorque, quantas estão aspirando? Pessoas não aspirantes existem em número infinitamente maior do que as aspirantes. Apenas quando a força divina é aceita e abraçada pela maior parte das pessoas é que as forças não divinas no mundo começarão a diminuir. A maior parte de nós aceita a escuridão como algo normal e natural, o que é absolutamente errado! Devemos tentar sentir que a luz é natural e natural, e que todas as forças obscuras, as forças físicas e as forças vitais que utilizamos é que são anormais e desnaturais.

 

Comecemos conosco

Eu não vim para cá trazer mudanças sociais. Eu vim para o ocidente apenas para trazer luz, apenas para servir as pessoas, apenas para trazer à tona o que é verdadeiro em você.

Se o que é verdadeiro vier à tona em você, nele, nela, em todos, você verá mudanças significativas na sociedade.

A sociedade é como uma casa. Se todos os membros da casa se tornam perfeitos, então a casa fluirá com paz, luz e harmonia. A partir do progresso individual é que o progresso coletivo surge. Se eu me tornar perfeito, se você se tornar perfeito, se todos se tornarem perfeitos, as mudanças sociais serão desnecessárias. Contudo, se tentarmos tornar a sociedade perfeita quando ela ainda está repleta de seres humanos imperfeitos, será um triste fracasso.

 

Guerra e paz

Há duas guerras, a interior e a exterior. A guerra interior é aquela que nosso ser interior ou a alma luta contra as limitações, ignorância, dúvida e morte. A guerra exterior é a guerra que o homem luta contra homem, nação luta contra nação, país luta contra país. A pergunta é: quando e como essas guerras chegarão a um fim? Essas guerras chegarão a um fim apenas quando a guerra interior tiver acabado. Isso é, quando, no mundo interior, o ser interior ou a alma conquistarem a ignorância, medo, dúvida e morte. Nessa hora, não haverá necessidade de travar guerras mundo exterior. Lutamos precisamente porque dentro de nós há desarmonia, há medo, há ansiedade e agressão. Quando nas nossas profundezas há paz, alegria, plenitude e satisfação, não convidaremos a guerra.

O mundo exterior precisa de paz. Agora, como podemos ter paz exterior? Poderemos ter essa paz ao fazermos amizade com o mundo todo? Não. Poderemos até ter muitos amigos, e mesmo amigos verdadeiros, amigos do peito, mas isso não quer dizer que teremos paz no mundo exterior. Eu lhes garanto que mesmo se o mundo inteiro se tornar a própria amizade, e todos estejam prontos para ajudar, não haverá paz no mundo exterior. A paz exterior nascerá apenas quando descobrirmos a paz interior. Essa paz interior é algo que já possuímos. Não é algo que temos de inventar; é algo a se descobrir.

Se essa paz interior não for trazida à tona, o homem nunca terá paz na vida exterior. Enquanto a paz interior não vier à tona e torne as circunstâncias exteriores pacíficas, a paz que poderemos ver na vida exterior será como uma moeda falsa. A amizade, amistosidade e harmonia na sociedade não terão sustância suficiente se estiver faltando a paz interior.

 

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A paz é uma força. Quando tem paz interior você sente alegria e deleite ao lidar com o mundo externo. O mundo exterior ficará sob o seu controle quando você tiver paz de espírito, mesmo que seja apenas um pouco de paz de espírito. Onde quer que vá, você criará a sua própria paz. Se não tiver qualquer paz interior a oferecer, as únicas qualidades que expressará serão a inquietação, a agressão e outras coisas não divinas.

 

A paz é uma força. O mundo exterior ficará sob o seu controle quando você tiver paz de espírito.

 

O mundo é algo gigantesco, mas cada pessoa representa o mundo. Você e eu criamos o mundo com as vibrações que oferecemos a ele. Qualquer pequeno aposento, digamos, é um mundo em miniatura. Se pudermos invocar paz e oferecê-la a outra pessoa, veremos como a paz se expande de uma para duas pessoas e, gradualmente, para o mundo inteiro.

 

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Teoria e prática devem andar juntas. Quando oramos e meditamos, desenvolvemos ou adquirimos paz de espírito, digamos. Quando temos paz de espírito, podemos adentrar o mundo exterior para resolver nossos problemas. O mundo externo é repleto de problemas, mas o nosso mundo interior está inundado de paz. Como podemos alcançar essa paz? É através da nossa oração e meditação.

De manhã cedo oramos e meditamos para obter um pouco de riqueza interior: paz, alegria e deleite. Quando vamos para o trabalho e lidamos com nossos amigos ou colegas. Porque oramos e meditamos, pouco importando o que acontecer ou o que fizermos, nos manteremos equânimes; continuaremos calmos e silenciosos. Praticamos a vida interior através da nossa oração e meditação, e praticamos a vida exterior com a nossa dedicação à humanidade.

 

Pergunta: Você ofereceu meditações nas Nações Unidas e é bem conhecido por isso. Por isso eu gostaria de fazer algumas perguntas sobre conflitos mundiais. Por que vemos tantos conflitos no mundo ao nosso redor? Por que tantas nações conflitam umas com as outras, por que as pessoas não se relacionam bem devido à diferença de religiões, raças ou pontos de vista econômicos?

Sri Chinmoy: É porque estamos nadando no mar da ignorância. Cada indivíduo possui limitações, cada indivíduo possui escuridão, cada indivíduo possui obscuridade e impureza. Cada indivíduo sente que ao se tornar superior aos outros ele será feliz. Cada indivíduo tem um sentimento de separação. Cada indivíduo sente que, enquanto mantiver sua individualidade, ele ficará feliz. Mas isso é absurdo. A felicidade vem da unicidade. Você e eu devemos nos tornar inseparavelmente unos para sermos felizes. Contudo, o mundo não acredita nesse tipo de felicidade. O mundo quer separação, apesar da separação acabar em frustração, e da frustração acabar em destruição.

É muito difícil alcançar unicidade. Mesmo dentro do nosso próprio ser há conflito. Às vezes a mente quer fazer algo, mas o físico ou o vital se revoltam. O coração quer fazer algo, e as outras partes do ser se revoltam. Se na nossa existência pessoal não temos harmonia, como podemos esperar paz na Terra?

Se orarmos e meditarmos, é certo que Deus ouvirá a nossa oração. Ele é onisciente, onipotente e onipresente, e Ele é todo Amor. Ele nos dará todo o Seu ilimitado Amor e, por conta do seu ilimitado Amor, seremos capazes de ver o mundo inteiro e cada indivíduo no mundo como parte de nós, uma parcela da nossa existência.

A causa do problema da separação é a falta de oração e meditação. Se orarmos devotadamente e meditarmos devotadamente, o problema será facilmente resolvido. Haverá um mundo sem conflito, sem guerra, sem má compreensão. Será um mundo de unicidade, satisfação e perfeição. Esse mundo de unicidade, satisfação e perfeição só despertará quando quisermos buscar a Fonte e nos tornarmos parte integrante da Fonte.

 

A paz não é a ausência de guerra.

A paz é a presença de harmonia, amor, satisfação e unicidade.

A paz é a enchente de amor na família-mundo.

 

 

Patriotismo

Do ponto de vista espiritual, o patriotismo é o amor pelo próprio país, amor pela própria fonte. Os seus pais são a sua fonte; igualmente, o seu país é também a sua fonte. Enquanto alma, você estava na região das almas. Você quis tomar encarnação humana e precisou de um país. O lugar que invocou a sua alma, o lugar que, por amor, alegria, bondade e carinho concordou em recebê-lo como parte de si, esse lugar merece a adoração da sua alma e coração enquanto você estiver encarnado. O patriotismo é a auto-expansão, auto-crescimento e, ao mesmo tempo, auto-doação à fonte. Esse auto-crescimento acontece de uma forma divina; ele não é o crescimento do ego. A auto-doação e auto-oferecimento do patriotismo vêm do sentimos que os outros países podem receber alguma luz a partir do despertar do seu próprio país.

O patriotismo é a auto-doação e a auto-expansão baseada na sua unicidade consciente com toda a consciência, a sua unicidade inseparável com todos. Esse é o significado do patriotismo no âmbito espiritual.

O patriotismo é não divino apenas quando não há um verdadeiro sentimento sincero por trás do patriotismo; se, por exemplo, em nome do patriotismo você condena ou fere outras nações e tenta dominá-las. É um caso de patriotismo fanático quando se diz que você e o seu país são os melhores, que nenhuma outra nação é pura, divina e espiritual. Caso sinta que apenas você e o seu país representam a verdade e Deus, e que o resto dos países são todos ruins – caso seja esse o seu tipo de sentimento patriótico, será realmente não divino.

Do patriotismo, do sentimento de nacionalismo, vamos ao internacionalismo. Para uma criança, a sua mãe é o mundo inteiro. Ela descobre o mundo todo dentro do seu pai e da sua mãe. Por alguns anos os pais são o que mais importam para ela, e depois será a sua escola, a sua universidade e o município ou cidade onde vive. Então sentirá que a nação é o seu mundo. A visão aumenta continuamente. Quando ela amplia a sua visão, essa criança vê que o mundo inteiro pertence a ela. Então ela ouve a palavra ‘espiritual’ e sente não somente a necessidade de progresso dentro da sua própria casa, mas também a necessidade de progresso mundial.

Assim, começando com o nacionalismo, faz-se progresso até o sentimento de internacional. Mas se eu não amar a minha nação, não terei amor por outras nações. Pode-se e deve-se partir da unidade para a multiplicidade.

 

Pergunta: Eu li que a alma não tem nacionalidade. O que você quer dizer quando fala que uma alma é indiana, britânica, russa ou de alguma outra nacionalidade?

Sri Chinmoy: Eu nasci numa família hinduísta, e portanto você pode me chamar de hindu. Outra pessoa é muçulmana, e uma terceira é cristã. Mas quando oramos e meditamos, entramos na Consciência Universal, e essa Consciência universal se torna parte integrante da nossa vida. Nessa hora não há hinduísmo, islamismo ou cristianismo; tudo o que há é unicidade.

Você pode dizer que nasceu na Rússia; por isso é uma alma russa. No entanto, enquanto acumula experiência interior e se torna espiritualmente mais desenvolvido, você dirá que pertence não apenas à Rússia, mas à União Soviética. Gradualmente, você dirá que pertence ao mundo tudo. Eu nasci em Bengala; portanto sou bengali. Bengala está na Índia; portanto sou indiano. A Índia está na Ásia; portanto sou asiático. A Ásia é um continente do mundo; portanto pertenço ao mundo todo. Sou um cidadão do mundo inteiro.

Cada indivíduo está consciente ou inconscientemente fazendo progresso. Através do progresso, a alma individual enxerga e sente a sua unicidade com os outros. Você pode me chamar de bengali. Mas, por causa da minha realização interior, eu posso dizer que sou cosmopolita, assim como Sócrates disse que pertencia ao mundo inteiro.